A GNR não explica porquê, nem que ameaças específicas prevê para outubro e novembro, período para o qual pediu à Frontex (Agência de Fronteiras Europeia) uma aeronave para patrulhamentos do mar dos Açores, onde a sua competência termina nas 12 milhas. O facto é que o avião, um Beechcraft C-12, está a operar desde domingo e a situação provocou um tremendo mal estar nas Forças Armadas. Marinha e Força Aérea têm meios de vigilância para além das 12 milhas, mas não receberam qualquer pedido de apoio da Guarda, conforme confirmaram ao DN fontes oficiais..A ação da Frontex, criada em 2004 para apoiar os estados-membros na defesa das fronteiras externas da UE, tem sido mais visível no Mediterrâneo na prevenção dos fluxos migratórios..Questionada pelo DN sobre o que levou a formular este inédito pedido, a GNR assinala que esta solicitação foi feita "com o objetivo de garantir a vigilância da fronteira externa da UE, designadamente da Região Autónoma dos Açores, atendendo as competências que cabem à Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR, vertidas na Lei Orgânica da Guarda"..Fonte oficial do comando-geral lembra que "a UCC é a unidade especializada responsável pelo cumprimento da missão da Guarda em toda a extensão da costa e no mar territorial, com competências específicas de vigilância, patrulhamento e interceção terrestre ou marítima em toda a costa e mar territorial do continente e das Regiões Autónomas"..Acrescenta que "este patrulhamento específico decorrerá entre outubro e novembro, sendo financeiramente suportado pela Agência Europeia Frontex, no âmbito dos EUROSUR (Sistema Europeu de Vigilância das Fronteiras) Fusion Services, com o objetivo de potenciar a vigilância das fronteiras da externas da UE, aumentando a probabilidade de deteção antecipada de ocorrências de criminalidade transfronteiriça"..Os patrulhamentos e operações na maior extensão do mar das regiões autónomas são normalmente da responsabilidade da Marinha e da Força Aérea, uma vez que a jurisdição da GNR termina nas 12 milhas, como já foi referido..A Força Aérea esclarece que "não recebeu qualquer solicitação por parte da GNR para a missão em referência", salientando que "de acordo com a lei e no âmbito das capacidades de vigilância e patrulhamento marítimo e terrestre, a Força Aérea executa missões que visem assegurar, no espaço estratégico de interesse nacional, a vigilância e o controlo das fronteiras marítimas, das atividades de contrabando aduaneiro, de tráfico de estupefacientes e de imigração ilegal, entre outras" e nesse âmbito "só no ano de 2022, já realizou 150 missões, totalizando 780 horas de voo, empenhando aeronaves C-295M e P-3C CUP+"..Por seu lado, contactada pelo DN, fonte oficial da Marinha diz que não recebeu qualquer pedido de colaboração da GNR para patrulhamento marítimo e não tem qualquer articulação com aquela força militar neste processo..Assertivo na crítica é o Almirante Melo Gomes, ex-Chefe de Estado-Maior da Armada: "As fronteiras externas da UE nos Açores , são, em primeiro lugar, as nossas. Como tal, da nossa responsabilidade soberana. O princípio da subsidiariedade deve ser a regra e a Frontex não se deve sobrepor à ação prioritária dos Estados. Adicionalmente, parece-me que não caberá à UCC formular pedidos de apoio externo em questões que se prendem com a soberania de Portugal", afiança..Considera ainda "que são afetos à UCC recursos que muita falta fazem à Marinha, que tem vindo a sofrer reduções inaceitáveis nas verbas de operação e manutenção". A seu ver, "esta situação é mais uma entropia à gestão adequada do nosso mar!"..Na ilha de S. Miguel, em cuja capital, Ponta Delgada, o avião está estacionado, o deputado do PSD eleito pelos Açores diz ao DN que lhe chegaram"mensagens de toda a ilha relatando alguma apreensão com os voos junto à costa".."Este episódio é a prova da total incapacidade do Estado em prover e assegurar por meios próprios, nomeadamente da Marinha e Força Aérea, as suas obrigações do exercício e defesa da nossa soberania e simultaneamente cumprir com os compromissos internacionais de vigilância e proteção das fronteiras, neste caso as mais exteriores da União Europeia", declara Paulo Botelho Moniz..Lembra que, "no caso particular dos Açores, é a única zona do país sem o SIVICC - Sistema de Vigilância de Costa da GNR -, mesmo após os estudos efetuados e os milhões de euros em fundos comunitários disponíveis". Considera que representa "a sublimação de um governo incapaz e que ainda não conseguiu implementar e colocar ao serviço este sistema essencial à segurança do país, das populações dos Açores e à defesa e proteção das fronteiras mais externas da Europa"..Conclui que esta situação "é um sinal da falência em matérias de Segurança e Defesa de um governo, que não se articula, o Ministério da Administração Interna que tutela a GNR de costas voltadas com o ministério da Defesa Nacional, assumindo e passando uma imagem de debilidade de meios, fraqueza e incapacidade operacional própria, exposta perante os parceiros europeus"..Oficiais da Força Aérea e da Armada na reserva, mas que pediram anonimato, também não escondem a indignação. "A Frontex não deve vigiar os nossos espaços marítimos pois isso é reconhecer que temos incapacidades, o que, em último caso fragiliza a nossa soberania. Esse reconhecimento terá certamente consequências graves em diversos processos em curso, um deles o pedido da extensão da plataforma continental, pois estamos a priori a admitir que não temos capacidade de a proteger", sublinha um desses oficiais..Outro vai mais longe na dimensão do que considera ser da maior gravidade: "Entregando a vigilância à UE, deixamos de ser um Estado independente. É um cavalo de Tróia cá dentro. O que está em causa é fortemente lesivo para os interesses nacionais"..A relação da GNR, ainda comandada por um General do Exército, Rui Clero, com a Marinha, agora liderada pelo Almirante Gouveia e Melo, tem um histórico conflituoso e sintoma de alguma descoordenação entre Segurança e Defesa. Ainda há dois anos, a aquisição por parte da GNR de uma megalancha , a Bojador, deixou a Marinha em estado de sítio e o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, a marcar posição..valentina.marcelino@dn.pt