Forças Armadas ao rubro. Nomeação de Gouveia e Melo dada como garantida

A nomeação do vice-almirante Gouveia e Melo para Chefe da Armada estava acordada com o atual CEMA, Mendes Calado. Mas o governo precipitou-se e acabou por atropelar o Presidente da República e surpreender os militares
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Não é uma questão de "se" é uma questão de "quando" está concluída a formalização da nomeação de Henrique Gouveia e Melo para Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA). O processo está a decorrer e poderá acontecer até ao final do mês de outubro. Nesta quinta-feira esteve reunido o Conselho do Almirantado, que reúne os vice-almirantes no ativo e emite parecer, não vinculativo. A decisão final cabe ao Presidente da República.

Esta promoção de Gouveia e Melo, de resto, não era segredo nos meios militares e em alguns círculos políticos ligados à Defesa - o seu mérito e capacidades destacavam-se em todas as funções que desempenhava.

Só não aconteceu logo em fevereiro de 2020, quando o atual CEMA, António Mendes Calado, chegava ao fim da sua comissão de serviço, porque, no pico da pandemia, foi chamado para assumir a coordenação da Task Force e o governo prorrogou por "um máximo de dois anos" o mandato de Calado, que terminaria em 2022, mas que este sabia que o seu término poderia ser antecipado. O DN ouviu vários oficiais militares e altos responsáveis e todo coincidem nessa versão.

Essa mesma versão foi confirmada pelo Presidente da República, quando nesta quarta-feira apresentou "equívocos" que contribuíram para a distorção do processo (entretanto, o primeiro-ministro António Costa dispôs-se a esclarecer estes "equívocos" e pediu uma audição urgente a Marcelo, que decorreu esta noite de quarta-feira).

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa Mendes Calado estava informado e tinha concordado sobre a hipótese do seu mandato ser interrompido a meio. "O senhor almirante chefe do Estado-Maior da Armada viu o seu mandato renovado a partir do dia 1 de março deste ano. Normalmente essa renovação dura dois anos, mas mostrou uma disponibilidade, com elegância pessoal e institucional, para prescindir de parte do tempo para permitir que pudessem aceder à sua sucessão camaradas seus antes de deixarem a atividade, de deixarem o ativo", disse.

Os "camaradas" são um, Gouveia e Melo, que, se não for promovido terá de passar à reserva no próximo ano. O problema é que, acrescentou ainda Marcelo, "nessa altura foi acertado um determinado momento para isso ocorrer, que não é este momento".

Foi por isso com grande surpresa que o ministro da Defesa João Gomes Cravinho chamou Mendes Calado ao seu gabinete na terça-feira e ter-lhe-á comunicado que iria propor a Marcelo Rebelo de Sousa a sua demissão, quando, segundo Marcelo, este não era o momento.

Bastaram poucas horas para a notícia rebentar (quem acendeu o rastilho está por saber) sem que houvesse a anuência do Presidente da República e Chefe Supremo das Forças Armadas para a sua divulgação. E com isto, o governo acaba por por em causa um dos seus maiores trunfos de sempre - o homem que conseguiu com a sua liderança colocar Portugal entre os melhores do mundo no processo de vacinação contra a covid-19.

A "trapalhada", como lhe chamou a coordenadora para a Defesa do grupo parlamentar do PSD, Ana Miguel dos Santos, é de tal forma grave que um Almirante na reforma arrisca mesmo afirmar se "não haverá aqui interesse em comprometer Gouveia e Melo: o governo sabe que ele pode ser incómodo e que está no seu ADN chegar à Marinha e querer fazer uma revolução, no sentido de exigir meios e toda uma nova organização que erga a Marinha do estado de falência em que está. Quer o governo isto? Acho que têm medo do que Gouveia e Melo poderá fazer, ainda mais com toda a onda nacional de apoio".

O ex-CEMA Melo Gomes, que classificou a demissão de Mendes Calado como "saneamento político", por este ter criticado a reforma do governo da estrutura superior das Forças Armadas", acrescenta que o"maior dos equívocos foi aprovar uma reforma que todos sabiam que iam provocar atritos, como se está a verificar".

O "senhor que se segue" em matéria de substituições é o Chefe de Estado-Maior do Exército, Nunes Fonseca, cuja comissão termina a 18 de outubro. Tal como Calado, criticou também a reforma do governo mas, neste caso a sua exoneração será natural, uma vez que termina a sua comissão e o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, Silva Ribeiro, pode ter outras propostas de nomes para sugerir.

Gouveia e Melo não quis falar ao DN, mas fonte próxima garantiu que "está sereno e vai aproveitar para tirar meia dúzia de dias de descanso que não tem há cerca de dois anos". No dia em que deixou a task force afirmou ter chegado ao "topo da montanha", no sentido da missão cumprida.

Quando olhar para a Marinha verificará que voltou ao sopé de outra montanha e que há muito que fazer para chegar ao cume. "A situação da esquadra é grave. Metade dos navios está parada. As duas fragatas mais recentes, de origem holandesa, estão ambas em manutenção na Holanda. A fragata Corte Real está a integrar uma Força da NATO mas a Vasco da Gama, está a definhar na Base do Alfeite. A Álvares Cabral ainda navega mas com recurso a marinheiros de outras classes de navios, que não conhecem as fragatas, o que é uma situação anormal", revelou ao DN uma fonte militar conhecedora.

Reforça que "estas fragatas, que durante muitos anos foram o encanto da Marinha, têm o seu futuro comprometido". Quanto ao resto, completa, dos patrulhas adquiridos à Dinamarca só metade navega e a situação dos patrulhas oceânicos e das lanchas de fiscalização não é muito diferente".

Das "jóias da coroa", os submarinos, onde Gouveia e Melo fez a sua carreira, só um está operacional. Os principais problemas com que a Marinha se confronta é o estado do material, com a crescente obsolescência dos navios, e a escassez de recursos humanos, principalmente ao nível das praças, que transitam de navio para navio sem pôr os pés em terra. A situação tem-se agravado bastante nos últimos anos.

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