"Em 45 anos de luta foi a primeira vez que ganhámos. Já faltava a mudança em Mora"
Mora acordou rosa, politicamente falando, o que acontece pela primeira vez desde o 25 de Abril de 1974. Ganhou Paula Chuço, até agora vereadora sem pelouro. Conta ter sido convidada pelo PS para combater o legado dos comunistas num prazo de oito a 12 anos, mas aconteceu em quatro, o que até para a própria "foi uma surpresa". Quem nela votou, defende a mudança. Quem preferia CDU está conformado, a começar pelo presidente, Luís Simão, que deixa o lugar dentro de 15 dias.
"Não esperava ganhar, aqui é bastante complicado, são 47 anos do mesmo poder, mas há sempre aquela esperançazinha, senão também não entramos num projeto. O PS convidou-me para conquistar a câmara em oito ou 12 anos e, ao fim de quatro, conseguimos fazer a mudança", congratula-se Paula Chuço, 52 anos, desenhadora de projetos e explicadora.
Sentado num dos largos de Mora, José Biléu, 75 anos, pintor reformado, não esconde a alegria por ver o PS ganhar na sua terra, já que ajudou a fundar a estrutura local. "Em 45 anos de luta é a primeira vez que ganhamos, já faltava a mudança em Mora. A Paula ganhou porque tinha uma lista à altura. Tem dois rapazes, o Hugo Carreiras [ex-vereador da CDU] e o António Ferreira muito capazes. Esteve quatro anos na câmara e percebeu o que aqui faz falta ao concelho".
Não que José Biléu tenha muitas queixas da anterior maioria - "portaram-se mais ou menos à altura" -, mas entende que "é tempo de mudança". A única coisa que lhes aponta é o facto das novas estradas tiraram o trânsito do centro de Mora, para prejuízo do comércio.
E até Abundância Barbeiro, 81 anos, que nunca votou em outro partido que não o PCP, concorda com o resultado destas eleições autárquicas. "São portugueses como nós e temos de ser honestos, não podem estar sempre os mesmos a mandar". Trabalhou no Barreiro e é desses tempos que lhe vem a militância comunista.
Ganhou o PS para a presidência da Câmara Municipal de Mora com uma diferença de 117 votos da CDU. Mas Paula Chuço mais que duplicou a votação de há quatro anos fazendo jus ao slogan "renascer Mora".. E o concelho ficou ainda mais bipolarizado, mais de 90 % das pessoas votou PS ou CDU. O número de votantes foi expressivo, 64,31 % dos 3965 inscritos, menos 303 eleitores que há quatro anos. Terão sido os jovens que melhor aderiram ao projeto socialista, muitos dos quais terão passado pelas explicações da nova presidente.
"O que me levou a ganhar foi uma aposta principalmente nos jovens, que sentiam que era preciso uma mudança no nosso concelho. A maior parte deles tem que sair daqui para ir à procura de uma oportunidade e nós apostamos muito nos jovens, além de pensarmos na população idosa, que não podemos esquecer. Fui explicadora - tenho de deixar agora - e conheço as necessidades dos mais novos. Temos que apostar neles, é o futuro. Acabam o 12.º ano, têm que sair para a universidade e já não regressam. Não temos praticamente indústria, investimento, não podem evoluir profissionalmente", explica Paula Chuço. Aconteceu com a sua filha, Sara, de 24 anos, que saiu para estudar Ciências Farmacêuticas e não voltou. O filho, Miguel de 20, estuda informática. Quer atirar impressa e promete investir no turismo
Mora é uma típica vila alentejana construída num monte, com filas de sobreiros até lá chegar, casas caiadas de branco e portas e janelas emolduradas com cores. Poucas pessoas se vêm nas ruas e, jovens, muito menos.
O concelho perdeu 850 habitantes em dez anos, registando 4128 residentes nos Censos 2021. Mas nem sequer foi o que perdeu mais gente. Tem 80 pessoas com menos de 25 anos, segundo o INE.
Maria do Céu Marques, 35 anos, é uma das jovens que não conseguiu ficar em terra onde nasceu. Aos 16 anos, com o 9.º ano, teve que ir trabalhar para Arraiolos, no mesmo distrito, Évora. "Só havia a fábrica de tomate, ainda lá fiz uma campanha, mas não consegui ficar. E não havia mais nada onde arranjar trabalho, nem sequer tínhamos um supermercado havia", conta.
Maria do Céu esteve 17 anos fora, voltou há dois anos com o filho de 4 , para trabalhar precisamente no Minipreço que abriu na vila. Faz, também, um part-time no restaurante Hélder Ganhão, que tem o nome do proprietário. Funciona entre as 05:00 e as 02:00 e é um dos poucos aberto à noite. "Encontrei Mora pior. Não há nada para os jovens, um bar, para sair, conviver", critica. Votou na mudança. "O que peço é oportunidades para os jovens, para não terem que sair".
Paulo Coelho, 54 anos, reformado, também está feliz com a votação, diz que a mudança peca por tardia. "É importante mudar, principalmente para que quem está no poder não o dê por adquirido. Se existir uma concorrência forte, quem está no poder tenta fazer melhor, esforça-se. As mudanças são sempre boas", defende. Acrescenta que a situação é pior para os mais novos. "Aqui as hipóteses são zero". O filho, de 16 anos, está a estudar informática em Évora, quer seguir para o ensino superior. O pai dúvida que regresse à terra.
O ainda presidente da autarquia (até à tomada tomada de posse da nova eleita) é Luís Simão. Completou o terceiro mandato e teve de deixar o lugar. O candidato da CDU foi Marco Calhau, que deixou a liderança de junta de freguesia de Mora. Luís Simão concorreu à assembleia municipal, mas não teve sucesso, embora tivesse perdido por uma diferença menor que a câmara municipal, cerca de 50 votos.
"A derrota da CDU significa uma grande frustração, mas isto é democracia. O povo achou que devia mudar alguma coisa na gestão da autarquia e o povo é soberano. As propostas do PS terão sido mais convincentes", assim reage à derrota. Deseja boa sorte a quem vai herdar a sua função, sublinhando: "Vão encontrar uma câmara arrumadinha, sem dívidas e com dinheiro para investimento. Desejo que façam um bom trabalho e daqui a quatro anos aqui estaremos para fazer a avaliação e recuperar a câmara, que foi CDU durante 47 anos". Aproveitou a segunda-feira para estar com a família e dar uma volta fora. Quanto ao futuro, está por perceber o que irá fazer.
Paula Chuço passeou pela vila, sendo muitas vezes parada por quem lhe quer dar os parabéns, um abraço. "Agora é que é", "Já esperava", segredavam-lhe. Todos conhecem quem concorre à autarquia, são filhos da terra e muito poucos residentes. Amizades que também ditam as escolhas.
José Rosário, 60 anos, aposentado, votou nas vizinhas. A Paula Chuço para a autarquia e Nélia dos Santos para a Junta de Freguesia de Mora, ganha pela CDU. "Conheço-as, são boas pessoas, sei que trabalham bem", justifica. Além de Mora, a CDU ganhou Cabeção e Brotas. O PS ganhou em Pavia, as quatro freguesias do concelho.
José também acredita na mudança. "É uma terra de idosos e são precisas oportunidades. Os jovens sem emprego abalam e não temos futuro". Está na Sociedade Recreativa Che Morense, que foi buscar o nome ao líder da revolução cubana. Espaço que é gerido por José Nunes, 78 anos. Esperava uma mudança, mas se não acontecesse não perdia o sono, diz. Já Paula Carneiro, 47 anos, reformada por doença, sublinha que contribuiu para a vitória ao PS. "Estamos contentes. Esta mudança estava para acontecer mais cedo ou mais tarde".