Cotrim Figueiredo: “Nos que gostam da Europa, há os que acham que isto vai lá com umas massagens e uns retoques”
Na apresentação da sua candidatura defendeu que Portugal deve preparar-se para o fim dos fundos europeus. É uma declaração passível de aumentar risco cardíaco a um diretor de campanha?
A totalidade das posições políticas foram assumidas com input principal do cabeça de lista, mas na lógica colegial da campanha. Recordo-me de ter transmitido essa opinião no hemiciclo, quando fui eleito deputado, e de ter gerado controvérsia. Mas parece-me óbvio que os fundos não serão eternos e, se contarmos contar com os inevitáveis impactos do alargamento, esse prazo será provavelmente mais curto do que alguns esperariam há uns tempos. Temos de nos preparar. Também é um alerta para que, tendo em conta a reprodutividade da aplicação dos fundos no passado, era bom que os anos que nos restam da utilização de quadros financeiros plurianuais sejam diferentes. Se isso não acontecer, não estaremos mesmo preparados para viver sem fundos.
Admite que os fundos são o principal ponto de ligação entre os portugueses e a União Europeia?
Em alguns casos é isso que automaticamente mais associam. Até começarem a perguntar se apreciam a facilidade de circular no espaço europeu, com a ausência de fronteiras, e a facilidade de utilizar a mesma moeda em 19 dos 27 estados, e a oportunidade que deu às suas empresas de exportar ou importar do espaço europeu sem tarifas. Quando se particulariza tantas coisas boas que o projeto europeu trouxe, as pessoas reconhecem que é isso que as faz gostar.
Mas certamente será menos fácil ser europeísta quando Portugal não receber fundos.
O que, paradoxalmente, não parece uma coisa má. Se estamos interessados num determinado contrato, neste caso político ou social, por causa do dinheiro, não temos verdadeiro apreço nem estima. Temos interesse. E os interesses não são uma base suficientemente forte para fazer uma aliança com a dimensão e a ambição do projeto europeu. Se estiver baseado em partilha de valores e de objetivos, é muito mais sólido do que se estiver só baseado em dinheiro.
Portugal tem levado com excesso de leveza essa dimensão, como quando o ex-primeiro-ministro António Costa fez a rábula com a presidente da Comissão Europeia se podia ir ao banco levantar o cheque?
Não ajuda. Até porque a naturalidade e a velocidade com que saiu esse comentário pode representar que é isso que está no topo da cabeça dos decisores políticos.
Já disse que não foi retirado o devido proveito dos 160 mil milhões de euros que, a preços correntes, Portugal recebeu desde a adesão. Quais foram as principais falhas e o que ainda pode ser feito para as reparar?
Quando continuamos a ter deficiências a nível de infraestruturas básicas de comunicações, ferrovia e energia, quando continuamos a ter nos serviços públicos falta de instalações condignas para o Serviço Nacional de Saúde ou Educativo, quer dizer que não investimos na parte estrutural. Muitos nos acusam de querer acabar com o investimento público, e é uma boa oportunidade de esclarecer que os liberais não são libertários e muito menos anarquistas, pelo que defendem um Estado forte nas suas funções. E uma delas é criar condições para o exercício da liberdade económica, o que implica poder acelerar infraestruturas, até porque não são as coisas que a iniciativa privada faz mais rapidamente. Pode e deve ser o Estado a dar o primeiro passo, em colaboração com privados e outras instituições.
Isso reflete-se em quê?
Reflete-se na dificuldade que, por exemplo, temos hoje se quisermos exportar energia nos muitos meses do ano em que somos excedentários. Faço muitas vezes um remoque aos franceses, que têm arrastado os pés quanto às interconexões transperinaicas. Também se pode falar de infraestruturas de qualificações. Temos a geração mais qualificada de sempre – nem discuto se estamos a qualificá-los para que vão usar as qualificações noutros países, porque isso faz parte da liberdade de cada um. Desses muitos milhares de milhões de euros postos à disposição de Portugal, não vemos que tenha havido nem uma transformação suficiente do ponto de vista económico, e provavelmente isso não aconteceu porque não tivemos visão e estratégia.
Como é que as instituições comunitárias podem potenciar um crescimento que torne a Europa mais competitiva em relação aos outros blocos, o que tem sido um ponto recorrente na sua campanha?
Fazendo à escala europeia o que Portugal devia ter feito, que era preocupar-se com a infraestruturação mais do que com a regulação e intervenção excessiva. Em segundo lugar, continuando um processo, que desacelerou muito, de integração dos mercados. Já existe há muitas décadas o mercado único de bens e serviços, que é muito imperfeito, com muitas diretivas que não são totalmente aplicadas ou transpostas da forma mais exata, e continua a haver obstáculos. Tem que se acelerar o mercado único digital, tem que se fazer o mercado único de energia e acabar a união bancária. E dar passos decisivos, o que para Portugal seria importantíssimo, no mercado único de mercados de capitais. A disponibilidade assimétrica de capital para financiar ideias e projetos é um dos motivos mais permanentes da desigualdade de desenvolvimento entre os Estados-membros. Boas ideias vai havendo na cabeça de europeus em vários países. A capacidade de os concretizar é que varia muito.
É uma questão de massa crítica?
Há alguns setores onde a dimensão é importante. A ausência nas 20 ou 30 maiores empresas globais de empresas europeias de relevo é preocupante, mas é mais um sintoma de que não estamos a conseguir fazer aquilo que se chama scaling up. Uma ideia que tem possibilidade de se expandir para além das fronteiras do país onde nasceu não consegue financiar-se ou encontra obstáculos em cada um dos passos de desenvolvimento. Se uma empresa americana, incorporada no Delaware, quiser fazer um apelo a investidores disponíveis para investir em empresas na sua fase mais precoce, consegue que em qualquer um dos 50 estados dos Estados Unidos adiram a um contrato de investimento e a um contrato de sociedade incorporada no Delaware com uma única formalização e com documentos que são aceites, vindos do estado que venham. Na Europa, 27 Estados-membros vão precisar de 27 idas ao notário e 27 exibições de documentos, iguais ou diferentes. São obstáculos à real circulação. É a quinta liberdade que queremos juntar ao mercado único. Não só bens, não só serviços, não só capital, não só pessoas, também conhecimento.
Há que temer que nunca haja uma Meta, uma Alphabet, uma Tesla ou uma Apple na União Europeia?
Não, porque há condições de conhecimento e de iniciativa suficientes na Europa. Não as perdemos totalmente. Num certo sentido, não as perdemos de todo. Há o problema de financiar o crescimento, mas hoje está no top 20 mundial em termos de capitalização uma empresa chamada Novo Nordisk, que encontrou um nicho de mercado em medicamentos que eram para tratamento da diabetes e agora têm aplicações na redução de peso, pelo que teve uma evolução brutal na capitalização. Dizem que é sorte, mas não.
A sorte dá trabalho...
E isto indica outra coisa, que é um credo muito liberal, e de que a IL tem falado muitas vezes: a única maneira de encontrar esses nichos que podem depois produzir grandes empresas ou de encontrar pequenas nuances que podem fazer a diferença entre o médio e o bom, e entre o bom e o ótimo, a única maneira de garantir que uma probabilidade grande é ter muitas ideias, muitas tentativas, muita gente. Por isso é que fazemos muita força na desburocratização, na simplificação, na remoção de obstáculos porque queremos, não mil, não 10 mil, mas um milhão de europeus a tentarem. A probabilidade de acertar é baixa para todos, mas em alguns casos os negócios terão suficiente capacidade de se transformar em grandes empresas.
O combate às alterações climáticas e a aposta na transição energética são as prioridades certas para assegurar prosperidade ou, levados ao extremo, podem pôr em causa esse objetivo?
As alterações climáticas são um risco não só económico, mas sobretudo humano que temos que minimizar o mais rapidamente possível. O que contestamos é que a lógica não pode ser alarmista e os mecanismos não podem ser proibições ou obrigações. Têm de ser mecanismos de mercado, ou seja, criar incentivos para fomentar os comportamentos mais benéficos do ponto de vista ambiental, com menos emissões de gases de efeito estufa, através de incentivos. Se não vamos estar numa tensão mal arbitrada entre os danos que as alterações climáticas podem trazer à saúde e à longevidade humana, e os danos que o empobrecimento pode causar também à saúde e longevidade humanas. Há um trade-off. Se só assumirmos soluções que envolvam redução da atividade económica vamos empobrecer inevitavelmente o nível médio de vida das pessoas. A essência da política é conseguir encontrar equilíbrios e fazer escolhas certas. Neste momento, o European Green Deal é demasiado proibicionista, é até em alguns casos demasiado protecionista, para o bem da Europa a médio e longo prazo.
Em sua opinião, a expressão “emergência climática” é populista?
É, porque faz aquilo que os populistas fazem, que é jogar com as emoções mais básicas – neste caso, o medo – para forçar alterações que lhes sejam politicamente vantajosas. Por isso não surpreende ninguém que em todas as manifestações em defesa do planeta e do combate às alterações climáticas apareçam inevitavelmente cartazes e faixas contra o capitalismo. Esse é o objetivo principal de quem torna o tema uma questão de emergência que parece justificar todas as medidas, mesmo aquelas que conduzem na prática ao empobrecimento das pessoas.
Há vantagens em passar a mensagem de que a transição energética deve ser também a libertação em relação ao gás natural da Rússia e ao petróleo dos países árabes ?
Sim, porque o eclodir da guerra teve efeitos dramáticos e altamente indesejáveis a vários níveis, mas teve alguns positivos: a mobilização espontânea das pessoas em defesa da liberdade ucraniana, a adesão à NATO de países que tinham mantido neutralidade durante décadas e perceberam que tinham de estar alinhados num determinado sentido de defesa da liberdade, e a consciencialização de que é necessário ter maior autonomia em setores que podem ser cruciais para a manutenção dos nossos valores europeus e do nosso modelo de vida.
Fala muito de emigração, nomeadamente da forma de evitar que seja uma inevitabilidade. Diria que a imigração está a ter um peso desproporcionado no discurso político?
Esse tema tem que ser discutido, quanto mais não seja para não o deixar como um exclusivo da extrema-direita e dos populistas que usam a imigração como pretexto para fechar fronteiras, numa Europa-fortaleza nos antípodas da visão da IL. Os motivos pelos quais às vezes a discussão é empolada é porque se pega em casos particulares e tenta-se generalizar, ou pintar o assunto como uma conspiração mundial de substituição de populações e teorias parecidas que também, infelizmente, se ouvem cada vez mais. A agenda migratória também é uma forma de extremar posições entre os Estados-membros, e isso enfraquece as democracias e há quem tenha interesse nisso. Mas não pode ser um tabu dos populistas, nem à esquerda nem à direita, e é importante perceber que se há uma perceção generalizada de que está descontrolada, que há falta de organização, falta de fiscalização e falta de integração, é nossa função, enquanto políticos responsáveis, desfazer essa perceção. E não é preciso reinventar a roda, nem é preciso ir à grande construção do Pacto das Migrações e Asilo.
Qual foi a ideia mais desprovida de sentido sobre imigração que ouviu dos outros partidos na campanha?
Não uma ideia, mas sim a ausência de ideias. No debate com a cabeça de lista do Bloco de Esquerda, perante a discussão de que pode haver 200 milhões de migrantes a procurar o espaço europeu nos próximos anos, dos quais alguns milhões poderiam querer estabelecer-se em Portugal, as soluções eram sobre a regularização dos 400 mil que já cá estão. E a questão não é essa, e sim os 400 mil que podem vir a seguir ou os outros 400 mil a seguir a esses. Sobre o que falta fazer ouvimos zero, e isto é de uma irresponsabilidade brutal, porque se nada fizermos vamos criar um problema social e político, porque é o pasto ideal para aqueles que defendem que a Europa deve ser a tal fortaleza.
É indiferente chegarem 400 mil brasileiros, cabo-verdianos, angolanos ou ucranianos ou chegar em 400 mil imigrantes de outros países e outras culturas?
É indiferente, com a exceção da língua, pois a integração de quem fala português é naturalmente mais fácil. Nesse sentido, ensinar português como língua não materna a um conjunto de pessoas tem de ser programado e previsto. Em tudo o resto, Portugal tem mais do que condições para integrar bem.
A escolha de um cabeça de lista da Aliança Democrática como Sebastião Bugalho indicia que Luís Montenegro quer apelar aos jovens. Considera ter condições para concorrer por esse eleitorado, apesar de poder ser descrito como um dos “adultos na sala”?
Dizem-me que tenho condições de disputar o eleitorado jovem, até porque Sebastião Bugalho, tendo biologicamente menos anos do que eu, não tem mostrado ideias mais frescas do que as da IL.
Também acredita que ele se identifica com uma idade diferente da biológica?
Ou alguém lhe disse que poderia ser um handicap parecer demasiado novo e está a conter-se na irreverência que seria mais própria da sua idade.
Já afastou a hipótese de uma leitura nacional dos resultados das eleições europeias.
É um desejo. Sei que será muito difícil.
Dito isto, acredita que o voto a 9 de junho será mais ditado pelas ideias sobre o futuro da União Europeia do que pela conjuntura resultante das legislativas de 10 de março ?
Dizem os estudos que as eleições europeias talvez sejam, a seguir às presidenciais, as mais personalizadas e onde tem havido diferenças maiores de votação entre partidos, mesmo em relação a eleições recentes. É inevitável que a forma como as pessoas defendem ou atacam temas nacionais e decisões dos seus concorrentes à escala nacional também tenha impacto. Mas como há um único círculo nacional, não havendo tentação tão forte para o voto útil, as pessoas podem votar mais livremente. E, sendo assim, podem optar por perceber que há, especialmente neste ano, talvez mais do que noutras ocasiões, um conjunto de desafios da Europa tão grande que é bom perceber quem vão escolher para nos representar lá. E perceber o papel de um eurodeputado, que não tem iniciativa legislativa. Não está em causa as propostas que um eurodeputado pode e não pode fazer, mesmo que o seu grupo parlamentar pode e não pode fazer, mas a forma como vai defender determinados valores e princípios e objetivos. Acho que vão olhar para as diferentes listas e candidatos e pensar quem melhor as representa, em termos daquilo que acreditam politicamente, e da capacidade de influenciar o conjunto de pessoas de outras nações, e até de outros grupos parlamentares, a encaminhar as soluções num determinado sentido, se pensarem nisso, conseguem isolar bastante bem os temas nacionais e os temas europeus. Tenho passado tempo em Bruxelas desde que assumi que seria candidato pela IL, e tenho percebido que a forma de fazer política exige capacidade de conseguir fazer pontes com outras pessoas, países e famílias políticas, e exige experiência de conseguir fazer coisas que não se compadece com a mera luta política que temos em Portugal.
Tendo em conta que a ILnão obteve nenhum eurodeputado em 2019, eleger-se a si próprio já é uma vitória, ou é necessário que o partido tenha mais representantes no Parlamento Europeu?
Eleger um deputado, não tendo nenhum, é sempre positivo, embora reserve a palavra “vitória” para façanhas um bocadinho mais notáveis. Decorridas três semanas de pré-campanha, acho que estamos a conseguir passar as mensagens, e sobretudo a noção de que, quando queremos alguém que nos represente num projeto de que gostamos – e estou a partir do princípio que o afeto pela União Europeia e pelo projeto europeu existe na maioria dos portugueses –, vamos juntar as ideias que a pessoa defende com a competência e a capacidade de as transformar em influência positiva nos processos. Não basta ir para lá fazer proclamações ideologicamente muito bonitas, mas que depois não impactem o processo legislativo, e não interessa muito impactar o processo legislativo se não tiver convições ideológicas fortes.
Como reagirá se um eurodeputado de outro país disser no Parlamento Europeu que os portugueses não são conhecidos por serem muito trabalhadores?
Já aconteceu em tempos no seio do Eurogrupo. Sentir-me-ei ofendido, pessoalmente e em nome dos eleitores que represento, não lhe cortarei a palavra e responderei de uma forma que não seja preconceituosa nem insultuosa, mas que possa fazer pensar duas vezes na próxima vez que atribuir a um grupo qualquer, neste caso a uma nacionalidade, uma determinada característica.
Transpondo para a realidade nacional, defende que mais vale debater e contestar ideias do que censurar?
Sempre, até porque as ideias, quando expressas, não desaparecem e ficam apenas reprimidas. E não há nada mais poderoso do que alguém que tem uma ideia reprimida e vê no espaço público quem expresse a mesma opinião, sentindo-se não só confirmado na sua convição, mas também convencido de que lhe tiveram a esconder alguma coisa. Isso é poderosíssimo e uma das maiores fontes de oxigénio dos extremistas.
Nas últimas legislativas a IL manteve a representação parlamentar enquanto o Chega passou de 12 para 50 deputados. As europeias são uma oportunidade de retomar a trajetória de crescimento?
Não é assim que as vemos, mas do ponto de vista político seria uma hipótese de demonstrar que o projeto liberal está longe de ter atingido o seu potencial máximo.
Em 1987, quando houve legislativas e europeias no mesmo dia, o CDS ficou reduzido a partido do táxi em São Bento e Lucas Pires teve 15% para o Parlamento Europeu. Paradoxalmente, um resultado particularmente bom da sua lista podia acrescentar pressão à atual liderança da IL?
Era incapaz de ter um bom resultado se não tivesse a qualidade do trabalho político do partido por trás. Se for preciso repetir 20 vezes, começo já a ensaiar: qualquer mau resultado – como eu disse, as eleições são particularmente personalizadas – é porque não consegui levar ideias com o potencial que têm até onde deveriam. É responsabilidade minha. Se conseguir um bom resultado, basta ver a qualidade da equipa que me acompanha, na lista e na campanha, para perceber que não será um resultado meu, será um resultado do partido.
O deputado ou deputados que a IL eleger para o Parlamento Europeu irão integrar-se na Renew Europe, posicionada entre o Partido Popular Europeu e os Socialistas e Democratas, e que tem sido dominada pelo Renascimento, de Emmanuel Macron. Definiria o presidente francês e o partido dele como liberais?
Não, para ser totalmente franco. Embora tenha mostrado nas escolhas essenciais que a Europa tem enfrentado nos últimos anos instintos com os quais concordo e que respeitam os valores europeus. Mas a tradição francesa é o que é, com uma, duas ou três costelas estatistas, que já tive ocasião de partilhar com os responsáveis franceses no Parlamento Europeu que não nos fascinam. Mas, não sendo liberal em toda a linha, defende do lado económico muitas coisas que são suficientemente liberais.
Há alguma força que possa ser considerada um partido irmão da IL
Gosto particularmente das discussões com o FDP [liberais alemães] e tenho muita pena de não ter já na família europeia os liberais-democratas do Reino Unido, com quem também temos muita afinidade e que continuam a participar em algumas reuniões do ALDE.São os dois partidos com que mais facilmente chegamos a entendimentos. Aqui há uns meses, porque não quero fugir à questão, teria dito bastante bem do VVD [liberais holandeses], que depois de um longo período de negociação, acabou por aceitar integrar o governo com o partido de extrema-direita PVV. O VVD sabe o que pensamos sobre isso, até porque, tendo noção da decisão polémica, contactaram alguns partidos do ALDE para perceber como seria a reação. Fomos claros: não defenderíamos a opção, por acharmos que estão a vender um conjunto de princípios a troco de manutenção do poder.
Eles poderão defender que estão a ceder em princípios em troco da governabilidade.
Poderão, mas é demasiado arriscado. Vê-se, pelo teor do entendimento tornado público, que pagaram um preço demasiado alto. Nós nunca o pagaríamos.
O que Geert Wilders obteve com o PVV, no que depender de si, André Ventura nunca terá com a IL?
Nunca.
Há dias a Renew Europe fez uma declaração conjunta com os Socialistas e Democratas, com os Verdes e com a Esquerda, garantindo que "nunca irão cooperar ou formar uma coligação de qualquer nível com os partidos radicais e de extrema-direita". Faz sentido assinar uma declaração que exclui os conservadores do ECR, a Identidade e Democracia, mas conta com os deputados comunistas?
Percebo o que está a perguntar, e só posso dizer que não gosto dos cosignatários, e que não sei como foi o processo de elaboração desse documento. Mas subscrevo a essência do que está escrito.
A partir do momento em que o Partido Popular Europeu fica fora deste “não é não”, abre-se a hipótese de uma maioria alternativa no Parlamento Europeu, com as três famílias mais à direita. Vê-o como uma hipótese real?
Hipótese teórica é, certamente. Dos estudos de opinião que conheço, nenhum apresenta esse cenário como provável e muito menos como o mais provável. O mais provável é que a maioria continue nos grupos parlamentares que a têm tido, sendo certo que se o PPE optar por outras estratégias de alianças vai perder apoio noutros sítios.
A manutenção de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia é necessariamente má?
Acho é que devemos fazer melhor.
Quando diz isso, fala sobretudo do quê? Da gestão da pandemia?
As tendências naturais de Ursula von der Leyen não são particularmente liberais. Têm laivos de conservadorismo e de protecionismo que nos preocupam. Mas trata-se de algo mais profundo, que é chegar ao fim destes cinco anos e fazer um balanço, até globalmente positivo do mandato – fizeram-se mais coisas boas do que más –, mas sobretudo no contexto das crises, primeiro a pandemia e depois a guerra na Ucrânia. Uma Comissão que até se consegue mexer com velocidade e com alguma eficácia em crises, não o faz no dia-a-dia. Se me dessem a escolher, preferia uma Comissão competente no dia-a-dia, e mais atrapalhada nas crises. E porquê? É a falta de competência no dia-a-dia que gera a desilusão e a frustração das legítimas expectativas geradas numa parte grande da população europeia, que depois aceita outro tipo de ideias, mais simplistas e radicais, porque se sente excluída do processo de geração de riqueza na Europa. Esta geração, que vai viver pior que os seus pais pela primeira vez. e que se sente discriminada, a única maneira de a recuperar é gerir o dia-a-dia de forma competente, com maior crescimento económico, integração de mercados e geração de oportunidades. Precisamos de uma Comissão muito mais capaz de não tirar os olhos da bola, de não privilegiar respostas de curto prazo a problemas importantes, procurando soluções estrategicamente sólidas, baseadas em convicções daquilo que funciona para podermos ter uma Europa que gere riqueza e oportunidades para as pessoas e que não as deixe insatisfeitas.
Não vê nenhuma circunstância em que seja positivo que António Costa exerça a presidência do Conselho Europeu?
Vejo. Se o outro candidato for ainda pior. Não é um grande endorsement, eu sei... Tenho todo o desejo de que a vida corra bem a António Costa, mas a Europa vai precisar de reformas sérias. Nesta eleição, para quem não tenha percebido, há obviamente uma escolha entre os partidos que são europeístas e os que não são. Essa espero que seja relativamente fácil, quer para os que não gostam da Europa, quer para os que gostam. Mas, nos que gostam da Europa, há aqueles que acham que isto vai lá com umas massagens e uns retoques, e os que percebem que os problemas são grandes, complexos e estruturalmente difíceis, e que precisam de reformas à séria. Ninguém me vai conseguir convencer, e o próprio não ficará convencido, de que António Costa é capaz de corporizar essas reformas.
Reformas que, segundo a IL, nunca foram feitas em Portugal.
Nunca. Ele é alguém que, confessadamente, se arrepia quando ouve falar de reformas estruturais. E estaria a presidir a um órgão eminentemente político, de representação dos Estados-membros, onde a capacidade de mobilizar as vontades de 27 chefes do Governo para um determinado sentido exige enorme convicção nas reformas. Agora, se me diz se entre duas pessoas com as mesmas condições, o gosto ou a falta de gosto para reformas, sendo um português, prefiro o português.
Portanto, entre ele e Pedro Sánchez, podia ser o António Costa?
Excelente exemplo. Entre ele e Pedro Sánchez, preferia António Costa. Os espanhóis têm tantas ou mais razões de queixa quanto a quem os tem dirigido.
Quem gostaria de ver como representante de Portugal na próxima Comissão Europeia? Se não disser o nome, pelo menos o perfil.
Vou começar pelo pelouro. Devia ser alguém particularmente interessado em fazer a integração dos vários mercados. Havia um pelouro chamado Mercado Interno, que está tão fragmentado que haverá vários pelouros relacionados. A integração é aquilo que mais beneficia os Estados mais pequenos e, como no caso de Portugal, relativamente periféricos. Nesse pelouro, o perfil da pessoa seria, essencialmente, alguém que conhecesse bem os mecanismos de relação, comércio e negócio transfronteiriços, para que percebesse a natureza dos obstáculos, das dificuldades e tivesse sempre a preocupação de os remover. Alguém com experiência, prática da vida e que, já agora, que tenha um pendor liberal, porque isso ajudava muito a tornar a integração mais útil para as nossas empresas e, por essa via, para as nossas pessoas.
Presumo que, entre os candidatos de que se fala, não encontre ninguém com esse perfil.
Até agora não ouvi falar de nenhum nome que me fascinasse.
Até hoje, qual foi o português ou portuguesa que melhor exerceu funções na Comissão Europeia?
Ocorre-me Carlos Moedas, pois teve o mérito de dar um impulso novo à investigação. Alguns dos programas mais importantes, como o Horizon, foram criados sob a sua égide e teve a preocupação de integrar o conhecimento científico com a sua utilização industrial e empresarial.
A União Europeia, tal como a vê, necessita de ter a Ucrânia no alargamento?
É um dever moral, desde logo, porque entrámos na Comunidade Económica em boa parte para fortalecer e solidificar a nossa opção democrática, e todos os países que estejam em circunstâncias idênticas temos a obrigação moral de os acolher e lidar com essa força. Por uma questão política, para aumentar o espaço geográfico europeu, solidificando os valores democráticos e o respeito pela economia de mercado à escala global. E do ponto de vista económico, porque mesmo excluindo a Turquia são quase 70 milhões de habitantes que podem vir a aderir. É um acréscimo significativo, com uma população mais pobre do que a média, o que tem implicações na distribuição dos fundos, mas com oportunidades económicas interessantes de parte a parte.
E até onde é que a União Europeia deve ir para ajudar a Ucrânia a resistir à invasão russa?
As guerras só acabam com a rendição de uma das partes – o que não me parece que vá acontecer – ou com negociação. Importa que seja feita com igualdade de argumentos e não em posição de inferioridade. E o desenvolvimento da situação militar na Ucrânia indica alguma inferioridade, pelo que a primeira função da UniãoEuropeia e de todos os aliados da Ucrânia é inverter essa situação, apoiando militarmente, diplomaticamente e politicamente. E fazer com que esta iniciativa insana de Putin tenha custos. E tenho a responsabilidade de dizer, enquanto agente político, que nenhuma das opções para que esse equilíbrio negocial se possa atingir deve ser tirada da mesa. Mesmo aquelas que não consideraria em circunstâncias quase nenhumas.
Incluindo a intervenção europeia no terreno?
Dizer ”há opções que não vamos tomar” é um fortalecimento de Putin. Foi nesse sentido que entendi as palavras de Macron. Não interessa até que ponto aquilo é verdadeiramente uma hipótese. Neste momento não devemos excluir nenhuma. Putin não pode ganhar aquela guerra e deve perder alguma coisa para que pense três vezes antes de dar outro passo, na Moldova, nos países bálticos ou na Geórgia, cuja situação nos começa a preocupar muito e deve merecer o nosso apoio. Nenhum de nós pode dizer com um mínimo de segurança que Putin não se atreveria a invadir qualquer um desses sítios, uma vez livre do problema em que se meteu na Ucrânia.
A União Europeia devem estar preparada para o confronto direto?
A nossa posição é pública: o reforço da capacidade militar da Europa deve ser feito no contexto do pilar europeu da NATO, que deve ser institucionalizado e clarificado. Está na altura de voltar a sentar a NATO com a União Europeia. Não há uma sobreposição perfeita – quatro países da União Europeia não estão na NATO, por motivos históricos que se compreendem, e sete estão na NATO fora da União Europeia –, mas podem fazer parte do mesmo acordo para garantir que as opções políticas de defesa são tomadas pela União Europeia e as execuções de operação militar são tomadas pelo pilar europeu da NATO.
O almirante Gouveia e Melo disse, em entrevista ao DN, sobre os militares portugueses, que “vamos morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa”. Tira-lhe o sono pensar que pode estar ligado a decisões políticas que terão estas consequências?
São decisões de enorme responsabilidade. Mas qualquer opção que se retire de cima da mesa agora é fortalecer Putin.