Ainda há poucas mulheres no governo? "É só a ponta do icebergue"

Costa prometeu um executivo mais "curto e enxuto". Só não disse se será mais equilibrado entre homens e mulheres. Politóloga admite problema de recrutamento nos partidos.
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Os novos rostos do governo vão conhecer-se em breve, já que no dia 23 o executivo maioritário socialista toma posse. António Costa apenas prometeu um "mais curto e mais enxuto". As Mulheres Socialistas já lhe endereçaram uma carta a pedir "paridade" nos cargos de decisão política. Eram sete as mulheres num elenco de 18 ministros neste governo que cessa funções. Será desta que a proporção com os homens irá equilibrar?

Há quem acredite que sim, como a antiga ministra da Saúde e da Igualdade Maria de Belém Roseira, mas admite que há constrangimentos que podem não acompanhar a desejável igualdade, que faz parte da agenda da União Europeia.

Paula Espírito Santo, investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), frisa ao DN que o facto de terem sido poucas as mulheres nos governos "é só a ponta do icebergue" de um problema mais vasto.

"Parte do recrutamento das mulheres para o governo faz-se a partir da bolsa política dos partidos, embora possam ser também independentes", frisa a politóloga. E dos estudos que tem feito ao longo dos anos sobre a militância dos partidos, todos eles, independentemente de serem de esquerda ou de direita, apontam para que 75% dos militantes são homens e apenas 25% mulheres.

"Temos aqui um défice que não é só português, mas das democracias ocidentais", afirma e admite que as quotas "são uma forma artificial" de tentar contornar este problema.

Paula Espírito Santo considera que seria mais positivo que o "equilíbrio" fosse conseguido através de políticas educativas que envolvessem, as famílias, as escolas, os próprios políticos e a comunicação social. "Neste momento, a escolha político-partidária ainda não é uma das prioridades das mulheres. Há sempre mais homens disponíveis". Ora é isto que entende ser necessário alterar para que existam mais mulheres a ascender aos órgãos de governação e de poder.

Dá o exemplo do filho de 13 anos, que anda no 8.º ano, e que mesmo em ano de eleições legislativas, como este foi, não teve uma única aula na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento sobre essa matéria. "A falta de interesse das mulheres pela política tem origens mais profundas e as iniciativas junto dos jovens não têm ajudado a contrariar verdadeiramente isso", assegura. A investigadora reconhece que quantas mais mulheres num governo mais há "fenómenos de identificação de género".

No primeiro governo de António Costa, o que saiu das eleições de 2015, depois do acordo com o PCP e o BE, havia quatro mulheres num total de 15 ministros. Eram elas Mariana Vieira da Silva (ministra da Presidência e da Modernização Administrativa - pasta antes ocupada por Maria Manuel Leitão Marques), Francisca Van Dunem (Justiça), Graça Fonseca (Cultura) e Marta Temido (Saúde). Constança Urbano de Sousa resistiu apenas dois anos no MAI.

Já com as eleições ganhas em 2019, embora em maioria relativa, Costa aumenta o elenco governativo para 18 membros e a presença de mulheres no Conselho de Ministros, passa para oito. Além das quatro que já faziam parte no anterior, fez entrar Alexandra Leitão (ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública), Ana Mendes Godinho (ministra do Trabalho e Segurança Social), Ana Abrunhosa (ministra da Coesão Territorial) e Maria do Céu Antunes (ministra da Agricultura).

Desde o arranque da democracia, aliás, só houve 37 ministras. Em 47 anos, só houve uma primeira-ministra e uma mulher como número dois do governo.

Nestas eleições legislativas foram eleitas 85 mulheres para o parlamento, o que equivale a cerca de 37% dos deputados, quando a Lei da Paridade já aponta para uma representação feminina de 40%.

Os dados do Eurostat (Serviço de Estatística da UE) de 2021 mostraram que Portugal estava acima da média da União Europeia na percentagem de mulheres que ocupam cargos nos governos nacionais e têm assento nos respetivos parlamentos. Segundo o Eurostat, no ano passado, um em cada três membros de parlamentos e governos do espaço europeu eram mulheres. "Nos últimos anos, a percentagem de membros femininos nos governos na UE aumentou: de 20% em 2004 para 33% em 2020."

Dos países mais bem posicionados nesta matéria estão Finlândia (55%), Áustria (53%), Suécia (52%), França (51%) e Bélgica (50%), países nos quais metade ou mais dos membros do executivo são mulheres. E em pior situação Malta (8%), Grécia (11%), Estónia (13%) e Roménia (17%) apresentam as percentagens mais baixas ao nível da representatividade das mulheres.

O Eurostat revelava ainda que o número de presidentes e primeiras-ministras da UE tinha crescido desde 2004. Eram agora quatro entre 27 chefes de governo do espaço comunitário - Dinamarca, Estónia e Finlândia, além da então ainda chanceler Merkel na Alemanha.

Na vizinha Espanha, o líder do governo, Pedro Sánchez fez em julho uma remodelação que trouxe um recorde. Se mais de metade do executivo espanhol era já composto por mulheres, elas passaram a ocupar 65% dos lugares, um exemplo muito substantivo de mudança na tradição política espanhola.

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