A palavra-chave pedida por Luís Montenegro é clara: “consensos”. E o PS, desafiou, deve decidir se será “oposição ou força de bloqueio”. Do outro lado, Pedro Nuno Santos colou o governo à extrema-direita e alertou para os perigos dessa “partilha” de ideias - apesar de admitir acordos em “matérias de consenso” - , naquilo que, em declarações ao DN, o investigador Riccardo Marchi considera uma jogada de “estratégia [do PS] para tentar liderar a oposição”. Isto já depois de PS e PSD terem chegado a um consenso no Parlamento para a eleição de Aguiar-Branco para presidente da Assembleia da República..Factual é que nos programas eleitorais as áreas dos “consensos” são várias - ainda que com entendimentos diferentes aqui e ali sobre os temas..Por exemplo, na corrupção, PS e PSD convergem quanto aos efeitos nocivos deste crime na sociedade democrática e em algumas medidas de combate. Mas na regulamentação do lobbying há um braço de ferro: ambos concordam que deve ser regulamentado, mas cada um defende a sua proposta legislativa..Estendendo a análise a outros temas, como a saúde, a educação, a fiscalidade e a demografia, socialistas e sociais-democratas mostram algumas preocupações comuns..Começando pela educação no programa dos socialistas, a principal preocupação é a escola pública. Uma das primeiras medidas que trazem para a mesa de discussões tem a ver com as carreiras docentes. Por um lado, querem torná-las atrativas no início e, além disso, querem proceder à reposição do tempo de serviço dos professores de “forma faseada”. Ao contrário daquilo que a AD propõe, o limite temporal para esta reposição não é especificado..Na saúde, socialistas e sociais-democratas convergem em linhas gerais. No entanto, o PS destaca o investimento que fez no setor em oito anos (5,6 mil milhões de euros)..Mas o primeiro grande embate nas áreas analisadas vem na fiscalidade. Desde logo com uma diferença em relação ao IVA, a que os socialistas dedicam uma parte considerável do programa, com algumas medidas. Uma das quais é, por exemplo, a devolução, no IRS, do IVA que as famílias com mais baixos rendimentos tenham pago ao adquirir bens essenciais. Ainda assim, os impostos são parte importante do programa de ambos os partidos. Não obstante - e em linha com o que defenderam durante a governação -, os socialistas puxam das “contas certas”, que consideram “um fator basilar que possibilita a adoção de soluções à altura dos desafios”, desde a habitação à transição climática..Afinidades de bloco central.Apesar das críticas de Pedro Nuno Santos, os sociais-democratas mantêm-se próximos dos socialistas em grande parte dos setores, ainda que haja uma clara diferença em como ambos encaram a gestão das contas públicas e a importância do superávit deixado pelo governo anterior. .Na tomada de posse, o primeiro-ministro deixou mesmo um sério aviso face ao excedente orçamental, destacando três problemas que radicam na ilusão de que “ficámos num país rico só porque tivemos um superávit orçamental”. .Para Montenegro, à partida, esta ideia é “uma ofensa para milhões de portugueses que vivem em dificuldades extremas por auferirem salários ou pensões baixas, por estarem afogados em impostos”. Depois, a ideia dos “cofres cheios”, avisa o chefe do governo, “conduz à reivindicação desmedida e descontrolada de despesas insustentáveis”. Por fim, critica, “a ideia de que estamos a viver em abundância induz o país a pensar que não há necessidade de mudar estruturalmente a nossa economia e o Estado”. Quando apresentou estes três problemas, o primeiro-ministro destacou que a ideia dos “cofres cheios” não só é “errada” como é “irresponsável”..A coroar este aviso, o programa da AD insiste no choque fiscal proposto pelo PSD no início da sessão legislativa, criticado por muitos especialistas por ser muito baseado no IRS, que é um imposto que não é pago por quem tem rendimentos mais baixos. Ainda assim, a prever que as contas públicas futuras poderão não contar com um tão grande excedente orçamental, os sociais-democratas propõem mesmo reduzir o IRS nos “prémios de desempenho e redução das taxas marginais” deste imposto, “até ao 8.º escalão, entre 0,5 e 3 pontos percentuais face a 2023”. .A AD também prevê adotar o “IRS jovem”, para “reforçar rendimentos aos jovens até aos 35 anos”, para além de propor uma redução do IRC de 21% para 15%, a um ritmo de 2 pontos percentuais ao ano..Apesar dos números sugerirem que há uma colisão com as propostas socialistas, mesmo na fiscalidade ambos não andam assim tão longe, apesar de o PSD não ter grandes propostas para o IVA e o PS ser mais contido na redução do IRC..Já na saúde pública, enquanto o PSD assume que não terá “complexos ideológicos inúteis” em aproveitar “a capacidade instalada nos setores social e privado”, o PS guarda tabu no que diz respeito a estas parcerias. Porém, ambos procuram valorizar os profissionais do setor, mantendo-os a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS)..O que diz a AD.SaúdeNa sua tomada de posse como primeiro-ministro, Luís Montenegro disse que “é urgente garantir uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos, uma escola pública que coloque o elevador social novamente a funcionar”. Para que isto aconteça, a AD, no programa eleitoral, prometeu “devolver à educação e à escola pública o rigor, a serenidade, o diálogo e a prospeção de que necessitam”. Este objetivo, segundo o documento, será atingido depois de “recolocar os alunos portugueses com níveis de desempenho acima da média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico]”, “recuperar integralmente o tempo de serviço congelado dos professores” ao longo dos próximos cinco anos “e atrair novos professores para, até 2028, superar a escassez” destes profissionais. Para além disto, a AD propõe “universalizar o acesso ao pré-escolar a partir dos três anos” e aplicar, este ano letivo, “provas de aferição no 4.º e no 6.º anos de escolaridade”..SaúdeA missiva do governo para a saúde passa por “implementar uma reforma estrutural” no setor “que fortaleça e preserve o SNS [Serviço Nacional de Saúde] como a base do sistema, mas que aproveite a capacidade instalada nos setores social e privado, sem complexos inúteis” e com o cidadão no centro das preocupações, garantiu o primeiro-ministro no dia em que tomou posse. A juntar a esta linha orientadora, a AD, no programa da coligação, assume a ambição de “colocar o sistema de saúde português entre os 10 melhores do mundo em 2040”. Para concretizar esta meta, promete “implementar o Plano de Emergência do SNS 2024-2025”, com o qual pretende “combater a desigualdade” no acesso à saúde, e que inclui a aplicação do Plano de Motivação dos Profissionais de Saúde”, que passa por dialogar “com as ordens profissionais e as associações representativas no que respeita à retenção de jovens quadros médicos, enfermeiros e outros profissionais”..FiscalidadeLuís Montenegro justificou a insistência no pacote fiscal do PSD, anunciado no início da sessão legislativa anterior, com o facto de a “carga fiscal elevada” ser “um bloqueio à economia, à produtividade e ao sentimento de justiça”. Se a AD mantiver a promessa do programa eleitoral, irá avançar com uma “redução gradual de IRC de 21% para 15%, ao ritmo de 2 pontos percentuais por ano”, a pensar nas empresas, e com a “isenção de contribuições e IRS sobre prémios de desempenho e redução das taxas marginais” deste imposto “até ao 8.º escalão entre 0,5 e 3 pontos percentuais face a 2023”. E também prevê um “IRS jovem” para “reforçar rendimentos aos jovens até aos 35 anos”, uma medida que vem acompanhada pela intenção de subir o ordenado mínimo até aos mil euros em 2028. A coligação liderada por Montenegro deve avançar com a “eliminação do IMT e Imposto do Selo para compra de habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos”. Em relação ao IVA, a única linha dedicada ao tema passa por reduzir este imposto para a construção para 6%..Demografia“Um dos maiores desafios que Portugal enfrenta é a crise demográfica”, defendeu o primeiro-ministro na tomada de posse, alertando para o risco de a população portuguesa ser muito menor “dentro de poucas décadas”. Por isso, para além de defender “uma política que remova os principais obstáculos à natalidade, como políticas públicas de incentivos, com creches e pré-escolar gratuitos, com vantagens fiscais para famílias numerosas e melhorias da legislação laboral”, Montenegro também promete, dentro de um quadro e regulação da imigração, uma “política proativa de atração” de “trabalhadores qualificados”, “núcleos familiares e reforço do incentivo à reunificação familiar” e atração de jovens, em particular estudantes. A pensar na diáspora portuguesa, a AD propõe a “criação de um serviço de apoio ao emigrante”, para “promover a informação e assim a integração mais próxima das redes de emigração portuguesa na vida nacional”, para além de todas as propostas para uma redução fiscal..O que diz o PS.EducaçãoNo programa eleitoral, os socialistas falam, pela primeira vez, em educação, logo na página 15. Comparando o primeiro e último Orçamento do Estado que apresentaram, o PS destaca o investimento de mais de “2,9 mil milhões [de euros] para a educação” em oito anos. Reconhece também que a “escola pública é das maiores conquistas da nossa democracia”. Com isto, o partido propõe, entre outras medidas: “aumentar a atratividade no início da carreira”, “rever e simplificar as regras do concurso de colocação do pessoal docente”. Tal como a AD, os socialistas querem “iniciar negociações com os representantes dos professores com vista à recuperação do tempo de serviço de forma faseada”, bem como “desburocratizar a função docente, garantindo que as escolas têm as condições e meios necessários e adequados para assegurar o trabalho administrativo-burocrático”. Querem também “revisitar o modelo de gestão das escolas para melhorar dinâmicas participativas”..Saúde“A missão é construir um SNS universal, forte e resiliente.” Tal como na educação, é uma das áreas onde o investimento é destacado (5,6 mil milhões de euros entre 2015 e 2024). O PS quer “encetar negociações imediatas com os profissionais de saúde” para rever carreiras e valorizar os salários, bem como para “incentivar a dedicação plena e em exclusividade ao SNS, assegurando a devida valorização das carreiras e a especialização clínica funcional”. Para gerir melhor o SNS, os socialistas pretendem “promover uma maior articulação e integração entre os cuidados de saúde primários, hospitalares e cuidados continuados, contrariando assim a excessiva centralidade da rede hospitalar e a duplicação de custos”. Há também uma secção dedicada aos cuidados de saúde de proximidade. Os socialistas querem, entre outros, “melhorar a coordenação funcional ao nível da rede de cuidados de saúde primários, reforçando a sua autonomia de gestão, técnica e organizativa”..FiscalidadeMais uma vez, (auto)elogios ao que foi feito: “Os governos do PS implementaram ao longo destes oito anos políticas que reforçaram os orçamentos familiares, como a maior redução registada dos impostos.” Em matéria de IRS, querem “reforçar a redução do imposto para a classe média, dentro da margem orçamental, diminuindo as taxas marginais”, “atualizar os limites dos escalões de acordo com a taxa de inflação”, “alargar o IRS jovem a todos os jovens” e “aumentar a despesa dedutível com arrendamento em 50 euros por ano”. Em IRC, “reduzir em 20% as tributações autónomas sobre viaturas das empresas”. Já no IVA, o PS quer “devolver em IRS às famílias com menores rendimentos parte do IVA suportado em consumos de bens essenciais, incluindo às famílias que não pagam IRS”, e “aplicar a taxa de 6% aos primeiros 200 kWh de energia elétrica consumida em cada mês (duplicando os atuais 100 kWh), ou 300 kWh mensais, no caso das famílias numerosas (duplicando os atuais 150 kWh), numa medida essencial de combate à pobreza energética”..DemografiaNo programa dos socialistas os jovens têm uma palavra especial. “Apostar em programas que apoiem a colocação dos jovens quadros nas PME, em particular aqueles com experiência em Eramus ou INOVContacto [programa implementado pela AICEP para formar talento português]. Ainda na demografia, e em particular sobre os imigrantes, os socialistas querem “promover a imigração regular desde a origem, o que exige uma cobertura consular eficaz”, bem como “agilizar os processos de legalização, das autorizações de residência e de reagrupamento familiar de imigrantes e refugiados, também como forma de combate às redes de imigração ilegal”. Há ainda a proposta de apostar na generalização dos cursos de Português Língua de Acolhimento, em articulação “com políticas de integração de imigrantes”. Já sobre os emigrantes, quer “agilizar o Apoio Social a Emigrantes Carenciados das Comunidades Portuguesas, o funcionamento do ASEC (Apoio Social a Emigrantes Carenciados) e do ASIC (Apoio Social a Idosos Carenciados)”.