Carlos Moedas, José Pedro Aguiar-Branco, Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro na sessão solene do 5 de Outubro.
Carlos Moedas, José Pedro Aguiar-Branco, Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro na sessão solene do 5 de Outubro.Gerardo Santos

5 de Outubro. Entre o discurso controverso de Moedas e o apaziguador de Marcelo

O presidente da Câmara de Lisboa, no aniversário da Implantação da República, sem referir o Orçamento do Estado, citou Camões para avisar sobre desvios no "caminho, porque foram preferidas vaidades pessoais".
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O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, destacou este sábado na cerimónia do 5 de Outubro, na Praça do Município, em Lisboa, a “feliz coincidência” que é os 114 anos da Implantação da República corresponderem aos 50 anos do 25 de Abril, mas rapidamente acabou por desviar o discurso para outra data, que, pelas evocações que fez, cumpriu o desígnio de deixar recados políticos: os 500 anos do nascimento de Luís de Camões. Orçamento do Estado (de forma indireta), imigração e situação dos sem-abrigo em Lisboa marcaram um discurso controverso.

Moedas cola "política de portas escancaradas" a redes criminosas...

O poeta quinhentista serviu de mote para o autarca advertir os políticos, através de um recado indireto sobre a viabilização do Orçamento do Estado, a guiarem-se pelo “estado do país” em vez de terem como orientação “estados da alma”. “Quantas vezes na nossa história nos desviámos do caminho porque foram preferidas vaidades pessoais e interesses partidários em vez do bem comum ou do interesse nacional?”, questionou.

“O próprio 5 de Outubro de 1910 foi uma resposta contra a vaidade de políticos que se achavam donos do país”, rematou.
No final da cerimónia, que decorreu vedada ao público, a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, questionada pelos jornalistas sobre as referências do discurso de Moedas, disse que não conhece “nenhum dirigente partidário que ponha os seus estados de alma acima” dos interesses nacionais.

O porta-voz do Livre, Rui Tavares, apontou o dedo a Moedas pelas citações do poeta. Defendeu que a língua portuguesa deve ser cuidada e  criticou o autarca lisboeta por chamar “a tudo aquilo que inaugura, às vezes de mandatos precedentes, ‘factory’ não sei quê, ‘hub’ não sei que mais”.

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As principais figuras do Estado hastearam a bandeira nacional na varanda da Câmara Municipal de Lisboa.

As críticas de Rui Tavares estenderam-se à defesa que Moedas fez de um controlo da imigração. O deputado do Livre lembrou ainda que Luís de Camões, “o grande poeta nacional”, “tinha um imigrante ao lado” a ajudá-lo quando morreu, “na miséria”.

Carlos Moedas defendeu que o país precisa “de imigração”, mas sem “aceitar uma política de portas escancaradas que conduz à desordem, dá espaço a redes criminosas e multiplica casos de escravatura moderna”.
O autarca da capital afirmou que a “segurança” é um dos ativos mais importantes de Portugal e reiterou um apelo ao Governo para um reforço do policiamento de Lisboa para que entrem “mais 200 agentes para a Polícia Municipal”. Mais competência para as polícias municipais é mais segurança para as cidades”, defendeu. “Se hoje temos um claro problema de pessoas em situação de sem-abrigo no país, deve-se também à irresponsabilidade em lidar com a imigração, lançou Carlos Moedas.

“O que nós ouvimos hoje do presidente da Câmara de Lisboa foi um discurso de um pequeno Napoleão que não reconhece o facto de Lisboa estar pior”, criticou o líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo, lembrando as palavras de Moedas. Fabian Figueiredo ainda acusou Moedas alimentar “mitos sobre as pessoas que são essenciais para a economia”, considerando “lamentável” a forma como o autarca “se colou ao discurso de extrema-direita”.

Já o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, disse que se reviu nas palavras do autarca “quando falou que Portugal tem um problema com a imigração e deve valorizar as suas forças de segurança”.

Carlos Moedas anunciou ontem que a autarquia resolveu “uma das situações mais graves” de Lisboa. “Ontem ajudamos todas as pessoas que estavam à volta da Igreja do Anjos a encontrar um teto”, garantiu. Por seu turno, Rui Tavares, que rejeitou que a situação estivesse resolvida, explicou que o problema “é de uma cidade inteira, na qual o presidente Carlos Moedas pouco ou nada fez para resolver esta situação”.

... Marcelo responde com "tolerância e universalismo"...

Para o Presidente da República é mais importante “viver com liberdade” e “sem repressão”, “com tolerância e universalismo” do que com “fechamento”. Esta ideia foi transversal a todo o discurso que Marcelo Rebelo de Sousa proferiu no 5 de Outubro,  deixando claro que nem a República nem a democracia estão acabadas nem perfeitas mas estão vivas. O chefe de Estado afirmou que “a República renasceu na coragem dos jovens militares no 25 de Abril de 1974”, enquanto elencava vários desafios pelos quais Portugal tem passado.

“Resistiu ao 28 de maio de [19]26”, frisou Marcelo, numa referência ao golpe que impôs a ditadura e o fim da primeira República. “A mais imperfeita democracia é muito melhor do que a mais tentadora ditadura. Por isso, vale a pena aqui virmos todos os anos, até para dizermos que queremos que a nossa República democrática seja mais livre, mais igual, mais justa, mais solidária, para o bem de Portugal, que é o que nos une, agora e sempre”, afirmou.

Marcelo lembrou que tanto a República como a democracia têm de mudar “nos dois milhões de pobres e mais os em risco de pobreza, nas desigualdades entre pessoas e territórios, no combate à corrupção, o envelhecimento coletivo”.

“A República e a democracia assistiram a partidos e forças sociais subirem e descerem, ao surgimento de outras, década após década, e, às vezes, à adaptação das originárias”, lembrou.

Como corolário da intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa especificou as razões pelas quais a República e a democracia estão vivas.
“Viver com liberdade é muito melhor do que viver com repressão. Pluralismo é muito melhor do que verdade única. Tolerância e universalismo é muito melhor do que aversão ao diferente e fechamento”, considerou.

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Marcelo em frente à GNR durante a comemoração da Implantação da República.

Recusando-se a comentar o tema do Orçamento do Estado, apesar da insistência dos jornalistas no final da cerimónia do 5 de Outubro, a ministra da Juventude e da Modernização, Margarida Balseiro Lopes, centrou-se no discurso de Marcelo, que tinha apontado imperfeições na democracia.
“Falou da necessidade e nós estamos perfeitamente alinhados com essa preocupação com o combate às desigualdades, com combate à pobreza, com o combate à corrupção, mas há uma mensagem que eu queria destacar: a necessidade de rejuvenescer o país”, sublinhou a governante.

“Precisamos de ter essa capacidade de oferecer boas condições, de sermos audazes, corajosos, nas medidas, nas políticas públicas para conseguirmos também cumprir esse desígnio de fixar os jovens cá”, defendeu.
Também o dirigente do PCP João Ferreira, presente na cerimónia, apontou uma lacuna no discurso de Marcelo.

“Disse que havia a necessidade de combater a pobreza, as desigualdades sociais. É difícil não subscrever essas palavras, a questão é como. Sobre isso nada foi dito”, apontou.

Já o deputado do Chega Pedro Pinto classificou o discurso de Marcelo  como “contraditório”, por ter andado durante algum tempo com um “discurso do medo” em torno da possibilidade do Orçamento do Estado não ser viabilizado e por agora ter dito que “Portugal, desde que é uma República, tem superado todas as crises”.

... e só PSD e PS ficaram calados face ao ‘elefante na sala’: o OE2025

O Orçamento do Estado (OE2025) para o próximo ano era o elefante na sala durante a cerimónia do 5 de Outubro, pelo menos para PSD e PS, que evitaram o tema, para lá da leitura das palavras de Carlos Moedas. Os restantes partidos desdobraram-se em apontamentos às contraprostas trocadas entre o Governo e os socialistas na última semana.

O líder parlamentar do CDS, Paulo Núncio, não hesitou em assinalar a “intransigência, inflexibilidade e radicalismo” do PS em relação ao IRC, lembrando a contraproposta do líder socialista, Pedro Nuno Santos, à proposta do Governo para este imposto.

“Por um lado, o Partido Socialista parece querer condicionar a negociação deste ano para o resto da legislatura”, continuou o deputado centrista, sublinhando que a proposta de Pedro Nuno Santos para substituir a descida do IRC pelo regresso do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento não é aceitável, por ser uma “medida temporária”.

“Nós registámos a disponibilidade do PS manter o diálogo com o Governo para se chegar a uma solução de viabilização do Orçamento. Agora, não posso deixar de referir que a proposta do PS continua a mostrar uma intransigência irrazoável, que não é bom sinal para uma negociação bem-sucedida”, apontou.

Também o presidente da Assembleia da Repoública, José Pedro Aguiar-Branco, uma das quatro figuras principais da sessão solene da Implantação da República, mostrou-se confiante em relação à viabilização do OE2025. “Estou esperançoso que assim seja. Acho que é importante, porque dá uma imagem real de maturidade política. Muito mais fácil é criar ruturas. O trabalho de chegar a consensos é mais difícil. Por isso saúdo esta capacidade de fazer consenso”, declarou aos jornalistas, acrescentando que, nesta fase, “é normal haver negociações e ajustamentos”, frisou.

Quem não partilhou do mesmo entusiasmo foi o dirigente comunista João Ferreira, que criticou a discussão em torno do OE2025 por estar “longe do que verdadeiramente interessa”. Já a líder parlamentar da IL, Mariana Leitão, foi um pouco mais longe neste tema e considerou que “a negociação [entre PSD e PS] até onde já chegou neste momento já é má o suficiente para o país”. Por este motivo, afirmou, “é preferível eleições a um mau orçamento”.

Questionado sobre o OE2025, o líder parlamentar do BE defendeu apenas que “a esquerda tem que se apresentar como alternativa à governação da direita”.

Também questionado pelos jornalistas sobre sobre as contas do Estado, negociadas entre PSD e PS, o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, salientou que o partido está “desde o dia 10 de março à noite” disponível “para fazer um acordo de governo com o PSD”. “Aquilo também que se percebeu, e por isso se calhar o senhor Presidente da República não falou nisso, é que existe um acordo já entre o PS e o PSD, percebe-se claramente”, afirmou, acrescentando: “Eles vão ficar com o ónus disso”.

A líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, justificou com “cortesia” o silêncio que guarda sobre o OE2025. “Vamos aguardar serenamente a resposta oficial e formal do Governo”, concluiu.

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