Os comunistas encheram o Chiado, os socialistas nem por isso

PS almoçou na Trindade e depois fez a sua habitual descida, sem o fulgor de outros tempos, mas com confetis e um Costa a levar ao colo o seu candidato. Ao fim da tarde, o PCP encheu a Rua do Carmo, ganhando em gente o que faltou em animação.
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"Muito boa tarde, senhoras e senhores", canta a fadista no palco do PS, montado junto à Câmara de Lisboa. Às 19.25 - o comício estava marcado para as 19.00 - e metade das cadeiras estão por ocupar. Há socialistas em volta, no quiosque, à espera que arranque aquele que será o último momento de uma campanha que, no último dia, começou em Moscavide, seguiu para o tradicional almoço na cervejaria Trindade e continuou com a descida do Chiado, até ao Rossio e daí até à Praça do Comércio.

O PS fez uma pausa técnica entre a sua arruada e este comício - e houve quem desmobilizasse. Pelo meio, aproveita a CDU, seus parceiros parlamentares, que desce também ela o Chiado, do largo do poeta, até ao fim da Rua do Carmo, onde um microfone faz as vezes do palco. Para cima, uma multidão preenche a rua - de bandeiras e de aplausos. "Já é a maior arruada desta campanha", diz João Ferreira. "Esta arruada é uma constatação que esta campanha está em crescendo.

Talvez não saiba o cabeça-de-lista comunista que, hora e meia antes, a descida do Chiado dos socialistas tinha metade das pessoas.João Ferreira e Jerónimo de Sousa, hirtos, na frente de um desfile ordenado e de palavras de ordem conhecidas, perdem apenas na animação.

Pedro Marques e António Costa fazem desviar a "caixa" de jornalistas, seguranças e jotas onde vão enfiados, e vão ter com pessoas, cumprimentam-nas, tiram uma ou outra selfie, acenam, mesmo que só para as fotos, há confetis disparados de canhões, que pintam o Chiado de rosa e branco. Os mesmos papelinhos que Jerónimo e Ferreira pisarão depois.

Por uma vez, os turistas estão em minoria, não perdendo a oportunidade de fotografar e filmar este estranho ritual de bandeiras, banda de sopros e palavras. A política está na rua, há eleições no domingo. Uma mulher, nos seus 60, alemã, divertida com o que vê, ensaia a sua palavra de ordem: "Pê-é", escapa-se-lhe o "s", "o pueblo unido jamás será vencido", e a língua também não é bem a certa.

Isabel vende fruta, "de segunda a sexta", em pleno Largo do Chiado, morangos, uvas, framboesas, e a água fresquinha, não está contente com as duas caravanas de passagem. Os socialistas estiveram por ali uma hora, que o atraso ao almoço a isso obrigou; e os comunistas também se demoram a sair. Estraga o negócio. "Não é bom", tapam-lhe o carro, vende menos. "E a dor de cabeça", com a confusão e o barulho que não para.

A música é uma constante numa e noutra arruada: os socialistas têm uma banda de metais, os comunistas somam-lhe a percussão. Na arruada do PS ouve-se Bella Ciao, que os socialistas europeus fizeram seu hino nesta campanha, mas na CDU também se ouvirá essa canção da resistência antifascista italiana. Uma canção a unir a geringonça. E na descida dos socialistas, há tempo para a ironia: Eu tenho dois amores, toca-se nos trompetes e saxofones, a canção de Marco Paulo que o candidato do PSD Paulo Rangel atirou como crítica ao PS, por namorarem socialistas e liberais.

Costa repete que sim, que há "matéria que sempre distinguiu a esquerda" é a Europa. Costa é o guia, arrasta Pedro Marques para cumprimentar este e aquele, mas também o velhote, de bandeira na mão, que se lhe queixa: "Sou um homem que andou na guerra, com uma reforma de 300 e poucos euros." Mas logo muda o queixume, para um elogio que soa sincero, enquanto mostra o seu passe social. "Olhe, uma coisa boa, isto, já não fico em casa, já posso sair." E vir ao Chiado. Pedro Marques concorda com ele. Mas a caravana segue.

Ao encontro de Jerónimo e João saem também duas velhotas, de cravos na mão, um ramo para cada um. Sorrisos tímidos e um abraço selam a entrega, mas os dois comunistas não seguem de cravos na mão. Vão hirtos e seguros nas palavras de ordem, "a CDU avança com toda a confiança", e vão rápidos, que obrigam os militantes que coordenam a marcha a pedir para abrandarem. Só não abrandam na convicção. Uma hora depois, está fechada a arruada e terminados os discursos, com apelos iguais para combater a abstenção.

Deixada a CDU, junto ao Rossio, e a caminho da Praça do Município, há um novo ajuntamento de bandeiras nas escadas de Santa Justa, quem sobe para a Rua do Carmo. É a Aliança, de Pedro Santana Lopes, algumas dezenas de apoiantes e o som da comunista Carvalhesa de fundo.

Em esforço, depois do acidente sofrido na primeira semana de campanha, o líder do partido, apela de megafone em punho ao voto em Paulo Sande, ali ao lado. E depois de recordar "o voo" que foi o acidente, conclui: "Graças a Deus, ainda aqui estamos." Com esta mobilização, não haverá milagres.

Pelas 20.10, a Praça do Município tem as cadeiras cheias para o comício do PS, a tempo dos últimos telejornais, antes do dia de reflexão, que omite toda a informação sobre esta campanha. "Todos os votos contam" - repetem socialistas e comunistas. Domingo contam-se os votos.

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