Alentejano, diplomata, cidadão do mundo. Morreu o embaixador José Cutileiro
O embaixador José Cutileiro morreu hoje em Bruxelas, onde vivia, disse à Lusa a sua mulher. O diplomata, de 85 anos, encontrava-se hospitalizado, acrescentou a mesma fonte.
Cronista e escritor, José Cutileiro foi um dos negociadores da adesão de Portugal à União da Europa Ocidental (UEO) e integrou a equipa de coordenação da Conferência de Paz para a Jugoslávia, em 1992, entre outros cargos ao longo da sua carreira.
No passado dia 15 de março, o DN e a TSF (rádio onde comentava assuntos internacionais no programa "O Estado do Sítio") publicaram uma entrevista ao embaixador, que acabava de lançar um livro de memórias e crónicas chamado Inventário: Desabafos e Divagações de Um Cético.
Ateu, alentejano de Évora, português no mundo, viveu em três continentes, estudou Medicina, doutorou-se em Antropologia, foi diplomata, dirigiu uma organização europeia, fez um plano de paz para a Bósnia, foi dos primeiros a ser recebido por Nelson Mandela quando o líder sul-africano saiu da cadeia. Nesta entrevista, de memórias e opiniões, José Cutileiro falou sobre tudo isto e o resultado pode ser recordado no link abaixo.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já reagiu à morte de José Cutileiro. "Foi, além de um magnífico diplomata, um homem da cultura. Um homem muito inteligente, que escrevia muitíssimo bem, um grande ensaísta. Um grande colunista, um grande comentarista. E, depois, também um grande cronista no sentido de contar a sua vida e a vida dos outros e analisar, às vezes de forma impiedosa mas muito lúcida e inteligente, a vida nacional", disse Marcelo, deixando o seu "testemunho de amizade e de reconhecimento".
Já o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) considerou que a morte do embaixador José Cutileiro "deixa a diplomacia portuguesa muito mais pobre" e elogiou o "profissionalismo, dedicação e o modo como prestigiou o país".
"Nas várias missões que desempenhou, foi sempre um excecional servidor das causas e dos interesses de Portugal", lê-se numa mensagem divulgada pelo MNE no Twitter. "O seu profissionalismo e dedicação, o modo como prestigiou o país no estrangeiro e como ocupou importantes cargos internacionais, são um exemplo para todos os diplomatas", concluiu.
João Gomes Cravinho, ministro da Defesa e diplomata, recordou uma "das mentes mais brilhantes dos nossos tempos". "A generosidade intelectual era imensa; em cada uma das crónicas, através da prosa luminosa e do maravilhoso sentido de humor encontramos autênticas pérolas", escreveu o ministro no twitter.
Também Durão Barroso, antigo primeiro-ministro e antigo líder da Comissão Europeia, reagiu através desta rede social.
José Cutileiro entrou para a carreira diplomática em 1974, a convite de Mário Soares, como adido cultural na embaixada de Portugal em Londres, e exerceu numerosos cargos internacionais, entre os quais o de secretário-geral da União da Europa Ocidental (UEO), depois de ter presidido à conferência de paz para a ex-Jugoslávia (1992).
Casado e com um filho, José Cutileiro, irmão do escultor João Cutileiro, nasceu em Évora, a 20 de novembro de 1934.
O pai, médico, republicano e laico, enfrenta problemas políticos com o regime salazarista e opta por sair do país para integrar a Organização Mundial de Saúde (OMS), levando mulher e filhos, então adolescentes, a viver na Suíça, na Índia ou no Afeganistão, onde em 1952 foram os primeiros cidadãos portugueses, de que há registo, a viver no Afeganistão.
De volta a Lisboa, José Cutileiro inicia o curso de Arquitetura, depois de Medicina, mas acaba por abandonar os estudos e mudar-se para Inglaterra, onde se licencia em Antropologia Social pela Universidade de Oxford.
É neste país que faz o doutoramento e leciona na London School of Economics (1971-1974), até que, com a revolução do 25 de abril, é convidado para a carreira diplomática, passando por Londres, Moçambique ou o Conselho da Europa.
Segundo a mulher, José Cutileiro considerava a revolução do 25 de abril "o dia mais importante da sua vida", excetuando os momentos da vida pessoal.
Em 1987 volta a Lisboa para assumir a direção-geral de Negócios Político-Económicos, negociando nessa qualidade a adesão de Portugal à UEO, de que viria a ser secretário-geral entre 1994-1999, depois de, em 1992, ter sido coordenador da conferência de paz para a ex-Jugoslávia.
Pelo meio, foi embaixador na África do Sul, onde mudou a abordagem da diplomacia portuguesa em relação ao regime e, em 1990, foi recebido por Nelson Mandela 17 dias apenas depois daquele que viria a ser o primeiro Presidente sul-africano pós-apartheid ser libertado da prisão.
Definido pelos próximos como um verdadeiro "homem do mundo", José Cutileiro tornou-se um especialista em Balcãs, tendo sido nomeado, em 2001, Representante Especial da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas para a Bósnia-Herzegovina e República Federal da Jugoslávia.
Ao longo dos anos, foi chamado a participar como conselheiro em presidências portuguesas da União Europeia (UE) e, em 2005, foi conselheiro político especial do presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso.
Como escritor, publicou mais de uma dezena de obras, da poesia à crónica, passando pelo romance e por uma monografia de antropologia e livros de política internacional, além de crónicas na imprensa, designadamente no jornal Expresso, onde escrevia há vários anos "O Mundo dos Outros" e obituários.