Joacine responsabiliza Tavares por intervenção do "tribunal" do partido
A deputada Joacine Katar Moreira "respeita" a decisão da Assembleia do Livre, de domingo, de remeter o seu "caso" com a direção do partido ("Grupo de Contacto") para o Conselho de Jurisdição. Contudo, acha que essa decisão só surgiu por "insistência" do fundador do partido, Rui Tavares - e depois de ter sido feita outra proposta, com a qual a deputada concordava - mas que acabou por não vingar. "A deputada tem plena confiança no órgão máximo entre congressos [denominado "Assembleia"], pelo que naturalmente respeita as tomadas de decisão", disse ao DN um dos seus assessores no Parlamento, Rafael Esteves Martins, falando em nome da deputada.
Contudo, nas mesmas declarações, feitas por escrito através de sms, o assessor afirma que esta proposta de intervenção no caso do Conselho de Jurisdição do Livre foi aprovada sobretudo "a pedido e por insistência de Rui Tavares".
É esta a narrativa dos factos, de acordo com o assessor: "A presidente da mesa [Ana Natário] propôs inicialmente a nomeação de um mediador da assembleia para sanar as relações entre o Grupo de Contacto e a Deputada, proposta com a qual a deputada concordou, antes de ter saído para apanhar o comboio para o Carregal do Sal". Mas a seguir, "a pedido e por insistência de Rui Tavares, pois já havia sido colocada a opção do CJ [Conselho de Jurisdição] por ele anteriormente, e enquanto membro da assembleia, esta opção foi votada favoravelmente pela assembleia."
Joacine partiu no domingo para Carregal do Sal, onde hoje passou o dia, no contexto do projeto de resolução que apresentou no Parlamento propondo honras de Panteão para Aristides de Sousa Mendes (cuja casa em Cabanas de Viriato está a ser recuperada). Foi recebida também na Fundação Aristides de Sousa Mendes.
Rui Tavares, ouvido pelo DN, recusou comentar as alegações de que se o "tribunal" do Livre vai ser chamado a intervir neste caso isso ocorre por sua "insistência", como afirma a deputada do partido, através do seu assessor. "Jamais comentaria os procedimentos internos de qualquer órgão do partido", afirmou ao DN.
O choques entre a direção do Livre e a deputada eleita pelo partido foram o grande tema político do fim de semana. No sábado, o Grupo de Contacto manifestou em comunicado preocupação com a abstenção da deputada num voto (do PCP) de condenação a Israel por uma "nova agressão" a Gaza.
"O Grupo de Contacto do Livre manifesta a sua preocupação com o sentido de voto da deputada Joacine Katar Moreira, em contrassenso com o programa eleitoral do Livre e com o historial de posicionamento do partido nestas matérias", disse a direção do partido, insistindo também na ideia de que Joacine deveria ter votado a favor do texto dos comunistas: "O texto apresentado pelo PCP colhe uma posição favorável por parte da direção do partido Livre".
Depois a deputada reagiu, num comunicado enviado à Lusa: "Assumo total responsabilidade pelo voto e devo dizer que, apesar de a abstenção não constituir um voto a favor ou um voto contra, ela não representou aquilo que tem sido desde sempre a minha posição pública sobre esta temática. Votei contra a direção de mim mesma."
Porém, segundo acrescentou, a abstenção "não se deveu a uma falta de consciência ou descaso desta grave situação" mas antes "à dificuldade de comunicação" entre a própria e a atual direção do Livre, da qual é "parte integrante".
"Foram três dias de contacto infrutífero para saber dos posicionamentos da direção relativos ao sentido de voto das propostas que nos chegaram, onde esta constava."
O "folhetim" prosseguiu com a direção do Livre a responder dizendo que Joacine nunca lhes pedira orientação para aquele voto.
"A dificuldade de comunicação passa também por ela, para o gabinete dela uma vez que nunca se dirigiu aos restantes membros da direção a pedir uma ajuda naquele voto específico. Foi-nos enviado o guião de votações, como nos é enviado todas as semanas, mas na semana passada nós também não nos pronunciamos sobre todas as votações e no entanto não houve nenhuma situação destas de haver uma falha de comunicação", disse à Lusa Pedro Nunes Rodrigues, da direção executiva do partido.
No domingo, reuniu a "Assembleia" do Livre que integra Joacine Katar Moreira e Rui Tavares, entre outros. O órgão máximo entre congressos tentou, com um comunicado, pôr água na fervura: "A Assembleia do Livre reconhece que todos os nossos membros, apoiantes e eleitores olham para as declarações dos últimos dias com perplexidade. Assumimos as dificuldades de comunicação e queremos garantir que estamos a trabalhar em conjunto para as resolver, reafirmando que o partido continua unido e focado em torno do seu programa político e eleitoral".
O comunicado omitiu, porém, a principal decisão da Assembleia: que o caso será agora analisado no Conselho de Jurisdição do Livre. O regulamento disciplinar do Livre admite três tipos de sanções aos militantes do partido, por ordem de gravidade: advertência; suspensão de funções até um máximo de seis meses e afastamento.
A pena de afastamento só pode ser aplicada a uma infração qualificada como grave, nomeadamente por "incumprimento dos Estatutos e das deliberações dos órgãos do partido", "desrespeito pela Declaração de Princípios (princípios programáticos do partido)", "condutas gravosas que revelem falta de honestidade", "desrespeito pelo Código de Ética" e "apoio ou participação em listas contrárias".
A pena de advertência "consiste numa repreensão pela irregularidade, culposa, seja ela por ação ou omissão, praticada por um membro", sendo "aplicável a faltas leves". Já "a pena de suspensão de funções consiste no afastamento das funções desempenhadas durante a medida da pena" e "é aplicável a infrações, nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse em cumprir os interesses estatutários, que coloquem em causa a dignidade e honra do partido e dos seus membros".
O militante punido com pena de suspensão de funções "fica impedido de apresentar qualquer candidatura a eleições dos órgãos do LIVRE, ou a representar o partido externamente durante a duração da sanção". Seja como for, o mandato parlamentar depende exclusivamente da vontade da deputada eleita: ou seja, Joacine só deixa o parlamento se quiser.