As freguesias do coração histórico de Lisboa perderam, entre 2013 e 2017, 14,6% dos seus eleitores - ou seja, em traços largos, de residentes. A perda atinge a mesma proporção em Santa Maria Maior e na Misericórdia, que no conjunto integram os bairros de Alfama, Mouraria, Castelo, Baixa, Chiado, Bairro Alto e Madragoa. Um decréscimo que é coincidente no tempo com o boom do turismo na capital. E junta-se a outro dado relevante: nesta altura, as duas freguesias concentram 45% do alojamento local (AL) registado em toda a cidade de Lisboa..Os números constam do "Estudo Urbanístico do Turismo em Lisboa", feito pela Câmara Municipal para fundamentar a criação de zonas de contenção ao alojamento local na cidade, a que o DN teve acesso..De acordo com o estudo, a generalidade das freguesias lisboetas sofreu uma perda de eleitores nos últimos cinco anos, mas o decréscimo mais expressivo é precisamente no centro histórico. E, logo a seguir, surgem outras duas freguesias onde o alojamento local tem vindo a ganhar grande expressão: São Vicente, que integra o bairro da Graça, perdeu 9,5% dos eleitores. E a freguesia de Santo António, que tem menos 8,3% de eleitores..[HTML:html|EleitoresTurismo.html|640|630].As causas desta diminuição não são especificadas, mas fica claro que a perda de residentes ocorre em simultâneo com um crescimento exponencial dos fogos afetados a alojamento local. Em Santa Maior, a freguesia de Lisboa com mais AL, estavam registados em agosto deste ano 3672 alojamentos locais. A abertura de novas unidades aumentou exponencialmente nos últimos anos. Em 2013 abriram 42 estabelecimentos, em 2014 já foram 231, um ano depois 596, em 2016 abriram 855, o ano passado 928, e este ano, até 21 de agosto, 912..O fenómeno é idêntico na Misericórdia, que tem registados 2942 estabelecimentos para arrendamento de curta duração, com aumentos ao ano na ordem das centenas..Há um outro dado relevante que consta do estudo, referente à propriedade da habitação, e que enquadra as sucessivas notícias de despejos nos bairros mais antigos da capital - "É nas freguesias do centro histórico que ainda é mais alta a percentagem de fogos arrendados". Em Santa Maria Maior, 72% dos fogos são arrendados - é a maior percentagem da cidade. Logo a seguir surge a Misericórdia, com 63% das casas em regime de arrendamento. .O estudo da câmara de Lisboa é claro na conclusão de que a mudança de uso de edifícios habitacionais para turismo - nas sua diversas modalidades - tem "retirado um número de fogos muito relevante ao stock de habitação permanente e provocado uma forte pressão inflacionista no mercado imobiliário em Lisboa". Esta pressão, "muito sentida no centro histórico, está a atingir de forma mais ou menos acentuada todas as freguesias de Lisboa"..O relatório salienta que "de algum modo, a redução de stock de habitação tem sido compensada com a reabilitação de prédios que estavam em ruína/devolutos e em mau/péssimo estado de conservação". Os dados apontam para 1675 edifícios declarados devolutos e ocupados com AL, um fenómeno que também é mais expressivo nos bairros históricos. No caso do Castelo/Alfama/Mouraria, 25% do total de alojamentos locais situa-se em imóveis que estavam declarados como devolutos. No Bairro Alto e Madragoa a percentagem é de 20%..[HTML:html|AlojaLocal.html|640|1090].Mais de um quarto das casas são alojamento local.Conclusões que vêm juntar-se às que foram conhecidas na passada semana - resultado de uma apresentação preliminar deste estudo, então noticiada pelo DN -, segundo as quais mais de um quarto dos fogos nos bairros do Castelo, Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa estão afetos ao alojamento local..Este é precisamente o critério usado pela autarquia para definir as futuras áreas de contenção, onde vai deixar de ser possível abrir novas unidades para arrendamento de curta duração - uma possibilidade prevista na nova lei do alojamento local, que entra em vigor na próxima segunda-feira..Castelo, Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa já ultrapassaram a fasquia - os três primeiros bairros, situados na freguesia de Santa Maria Maior, já vão nos 29%; os dois últimos estão nos 27%.Mas há outras áreas da cidade de Lisboa que já estão em cima do valor limite. É o caso da Avenida da Liberdade, da Avenida da República e da Avenida Almirante Reis..A declaração daqueles bairros como zona de contenção vai avançar já, antes da criação do regulamento municipal sobre esta matéria, e pode vigorar pelo período de um ano. Após este prazo, a zona de contenção pode ser mantida, já à luz do regulamento camarário, tendo de ser revista (pode ser mantida ou não) após dois anos..Escritórios dão lugar a turismo e habitação.O estudo da câmara de Lisboa levanta também o cenário de o turismo e a habitação estarem a ocupar espaços até agora reservados a serviços - "É de sublinhar o movimento de deslocalização e reorganização dos escritórios que se verifica na cidade, tendência esta que se acentuou nos últimos dois anos"..De acordo com os dados da autarquia "estima-se que já foram subtraídos, como espaços de escritórios, cerca de 600.000 metros quadrados, os quais foram reocupados por habitação e turismo"..(Publicado originalmente a 18 de outubro de 2018)