Azeredo Lopes suspeito de ter sabido da encenação para recuperar armas

Azeredo Lopes foi constituído arguido por alegada prática do crime de denegação de justiça, suspeito de não ter avisado as autoridades do que saberia da encenação para recuperar armas. Em causa o que fez e não fez após saber da operação da Judiciária Militar.
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O ex-ministro Azeredo Lopes foi esta quinta-feira constituído arguido no processo do furto nos paióis de Tancos por alegadamente ter tido conhecimento, a posteriori, da encenação montada pela Polícia Judiciária Militar (PJM), sob sua tutela, para recuperar o material de guerra e não ter informado as autoridades judiciais.

O ex-governante já considerou a decisão "absolutamente inexplicável", tendo em conta que o seu envolvimento "foi apenas de tutela política".

Azeredo Lopes ficou sujeito a termo de identidade e residência e está ainda proibido de contactar os restantes arguidos de uma operação em que as principais figuras da PJM são o então diretor nacional coronel Luís Vieira, e o ex-investigador e porta-voz dessa polícia, major Vasco Brazão, além de vários militares da GNR de Loulé.

O que está em causa?

Na base da decisão judicial relativa a Azeredo Lopes, que se demitiu em outubro passado por causa do caso e já negou categoricamente ter praticado qualquer ato "ilegal ou incorreto", estará o grau de conhecimento que teve sobre a operação simulada para recuperar o material furtado - e não o ter comunicado às autoridades judiciais, daí decorrendo uma potencial interferência no decorrer da investigação iniciada após o furto, em junho de 2017.

Em causa estará o memorando entregue a Azeredo Lopes após a recuperação das armas furtadas do Tancos. Este memorando, que chegou ao chefe de gabinete de Azeredo pelas mãos do Coronel Luís Vieira, ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM) e do então coordenador da investigação, major Vasco Brazão, dois dias depois do achamento, tinha informações que indicavam que a operação da PJM tinha sido feita à margem da lei.

A PJM terá aceitado encenar a recuperação das armas, depois de contactada por militares da GNR de Loulé e a pedido de um dos autores do furto, à margem das entidades responsáveis pela investigação e após meses de guerrilha institucional entre as duas polícias judiciárias.

Luís Vieira afirmou à comissão parlamentar de inquérito (CPI) que o ex-ministro soube da encenação criada para recuperar as armas, que ocorreu cerca de quatro meses depois do roubo.

Mas Azeredo Lopes disse sempre desconhecer esses planos da PJM. Mais, garantiu que só horas após noticiada a descoberta do material soube pela Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, que a Judiciária Militar tinha atuado à revelia do Ministério Público - titular do processo - e da PJ (a quem tinha sido atribuída a responsabilidade da investigação).

Questionado sobre que medidas tinha tomado, Azeredo Lopes afirmou que, quando Joana Marques Vidal lhe disse o que se passara, não teve "dúvidas nenhumas" que "tinha havido uma violação de deveres funcionais por parte da PJM" e que "era inevitável um procedimento disciplinar".

Contudo, sublinhou, "a Procuradora-Geral teve um entendimento diferente, pedindo para não dar seguimento a esse processo, pois iria ser aberto um inquérito-crime, com base numa denúncia anónima sobre as reais circunstâncias do recuperação do material".

"Não tive conhecimento de nenhuma investigação paralela da PJM", garantiu Azeredo Lopes no Parlamento. Contudo, a seguir nada fez para, internamente, esclarecer o que tinha sido feito pela PJM e adotar eventuais medidas corretivas que se justificassem, conforme ficou expresso no relatório final da comissão parlamentar de inquérito ao caso.

Segundo o relatório da CPI, Azeredo Lopes "não determinou, entre outubro de 2017 e outubro de 2018, qualquer processo de auditoria à ação da PJM".

O Código Penal, no âmbito dos "crimes contra o Estado" e em particular "contra a realização da justiça", diz no seu artigo 369º que o crime de denegação de justiça e prevaricação ocorre quando um funcionário, "no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar ato no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce". Como referido anteriormente, Azeredo Lopes não promoveu contactos com as autoridades judiciais, nem decidiu abrir qualquer inquérito interno à atuação da PJM.

O documento que o ministro não quis ver

Azeredo Lopes soube da operação da PJM por telefone e pelo seu chefe de gabinete, major-general Martins Pereira, que tinha sido informado pelo coronel Luís Vieira. Quanto ao memorando (sem timbre ou assinatura) entregue a Martins Pereira pela PJM, o ex-ministro frisou só se lembra de o ver aquando da sua demissão - e mostrado pelo primeiro-ministro, António Costa.

"Martins Pereira disse-me o que era essencial do documento. Antes da minha demissão. Foi num telefonema ou dois. Havia um informador, que também era informador da PJ, que não queria ser identificado e tinha de haver um modus operandi específico para que ele dissesse onde estava o material", contou Azeredo Lopes no Parlamento - assumindo que não deu conhecimento "da existência de um informador" ao primeiro-ministro, António Costa.

Quanto ao memorando, garantiu não ter "memória de ver" o documento. "Só o vi depois da minha demissão e fiquei confortado porque o meu chefe de gabinete me transmitiu o que era essencial que eu conhecesse." Dito de outra forma, Martins Pereira não lhe deu a conhecer o teor de "todo o documento", o qual só leu porque António Costa "deu-me a conhecer o documento que tinha recusado ver".

O furto aos paióis de Tancos do Exército suscitou grande polémica mediática e política, por ser algo considerado impensável, por ter ocorrido após a tragédia dos fogos de Pedrógão, pelo tipo de material desaparecido (desde granadas de mão ofensivas a foguetes lança-granadas anticarro, munições de 9 mm, explosivos e detonadores), pela suspeita de ligação dos autores a redes terroristas e de crime violento internacionais.

O caso - abrangendo as investigações ao furto e à recuperação do material - já tinha levado a constituir 22 arguidos, pelo que Azeredo Lopes tornou-se agora o 23º dessa lista.

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