Poder
15 fevereiro 2019 às 08h15

Sampaio da Nóvoa critica "demagogia" do fim das propinas

O embaixador de Portugal na UNESCO considera que o fim das propinas no ensino superior é a solução "mais fácil" e que dá "popularidade" ao governo

Lusa

António Sampaio da Nóvoa, embaixador de Portugal na UNESCO e o antigo reitor da Universidade de Lisboa, discorda do fim das propinas e considera que não se deve "começar pela coisa mais fácil" no debate sobre como reduzir o custo dos estudos no ensino superior e pelo que "dá certa popularidade".

"Eu teria tendência para atacar o mal pela raiz e ir para os verdadeiros custos e não começar pela coisa que é mais fácil, que dá certa popularidade, a certa altura é difícil não haver alguma demagogia misturada", considerou em António Sampaio da Nóvoa, embaixador da UNESCO e antigo reitor da Universidade de Lisboa, em entrevista à agência Lusa.

Com uma carreira de décadas ligada ao ensino superior, o antigo reitor afirma que Portugal ainda "tem um défice de qualificações" e precisa de continuar a investir na expansão e democratização do acesso à universidade, mas não através do fim das propinas.

"Eu julgo que reabrir o debate sobre as propinas é uma coisa muito complicada, vai colocar as universidades numa situação difícil, vai colocar os futuros Governos numa situação difícil porque têm que aumentar os financiamentos, e não tenho a certeza de que sejam os melhores resultados para abrir o ensino superior", argumentou.

Baseando-se na sua experiência e em estudos feitos quando estava à frente da Universidade de Lisboa, custos associados ao alojamento, alimentação, deslocações ou livros são mais significativos para os alunos e para as suas famílias, tendo assim maior peso nos orçamentos dos estudantes do que as propinas pagas nas universidades públicas em Portugal.

Numa convenção em Lisboa, o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, chegou a defender o caminho para o fim das propinas, em janeiro, que mereceu depois a concordância do Presidente da República, depois de considerar "gravíssimo" que o ensino superior não seja uma prioridade.

"Um assunto relativamente menor"

Sampaio da Nóvoa considera que a contestação do sindicato dos diplomatas nacionais à sua nomeação para embaixador na UNESCO foi "um assunto relativamente menor" que nem sequer o fez hesitar na decisão de assumir o cargo em Paris.

"Parece-me um assunto relativamente menor", assumiu o ex-candidato a Presidente da República, para sublinhar logo a seguir: "As decisões são ponderadas e não houve a mínima hesitação", concluiu.

Quase nove meses depois de ter assumido o cargo de embaixador de Portugal na Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o antigo candidato à Presidência da República pronuncia-se pela primeira vez sobre as críticas que recebeu aquando a sua nomeação.

"O que verdadeiramente faz o interesse e a qualidade da diplomacia é que as pessoas vêm de formações muito diferentes. Há diplomatas médicos, juristas e histórias de vida diferentes. É essa riqueza que faz o enriquecimento da profissão e eu entendi, no caso da UNESCO - e não teria tomado essa decisão para nenhuma outra instância -, que estava numa fase da minha vida em que poderia vir a dar um contributo a esta organização", afirmou António Sampaio da Nóvoa.

Na altura, em comunicado enviado às redações, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) afirmou que a escolha do Governo para o cargo era "motivo de completa surpresa e estranheza", pedindo ao executivo para reconsiderar a proposta.

Desde que chegou às lides diplomáticas, lidando de perto não só com as outras representações da UNESCO em Paris, mas especialmente com o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, Sampaio da Nóvoa só tem a "agradecer a colaboração absolutamente extraordinária" com esta classe profissional.

"A única coisa que tenho é de agradecer a colaboração absolutamente extraordinária, o acolhimento, a integração, as atitudes. É uma vida muito aberta, as pessoas são muito abertas, são muito cosmopolitas e percebem que o haver pessoas de outros mundos pode enriquecer esta vida diplomática", reconheceu o antigo reitor da Universidade de Lisboa.

António Sampaio da Nóvoa foi nomeado há cerca de um ano pelo Presidente da República, após proposta do Governo, para embaixador de Portugal junto da UNESCO, organização sediada em Paris.

"Crise e impasse" na UNESCO

Sampaio da Nóvoa refere que a crise no multilateralismo e a saída dos Estados Unidos estão a afetar a organização, mas que as propostas nacionais para educação e ciência avançam já este ano.

Portugal assumiu no fim de 2017 uma das vice-presidências do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), que é constituído por 58 países - a UNESCO tem 193 países no total, sem Israel e Estados Unidos que se retiraram recentemente - e este é um "momento importante" para o país, segundo disse Sampaio da Nóvoa em entrevista à agência Lusa.

"Nós somos chamados a marcar a agenda, a fazer o debate, a preparar os debates. É um momento muito importante da presença de Portugal na UNESCO", indicou o antigo reitor da Universidade de Lisboa, ressalvando que o multilateralismo se mantém como o tema central da participação nacional no centro desta organização, embora seja um conceito em crise.

"O multilateralismo está numa crise grave, ninguém tem falado melhor nisso do que António Guterres [secretário-geral da ONU]. Precisamos de ter ao lado de uma lógica intergovernamental, uma lógica da sociedade civil, dos educadores, dos cientistas. É isso que pode fazer sair a UNESCO da situação de crise e impasse que se tem encontrado nos últimos anos", afirmou o embaixador português.

E a situação "complicada" da UNESCO deve-se, segundo Nóvoa, a diferentes motivos. Desde logo à retirada dos Estados Unidos, mas também as "regras de funcionamento internas que aqui existem que são de uma burocracia infindável", os problemas financeiros e ainda os temas que se trouxeram para dentro da instituição.

"Aquilo que se fala muito é o conceito da politização da UNESCO [...] Foram muitos problemas entre Israel e Palestina, problemas entre a Rússia e a Ucrânia, que são problemas estritamente políticos e claro que o pretexto é que se resolvam por via da cultura, mas que a UNESCO não tem capacidade para resolver. Foi essa lógica que levou a um impasse e a um recolhimento da UNESCO no que são as suas verdadeiras causas: a educação, a ciência, a cultura, paz e direitos humanos", afirmou.