Coronavírus. Oposição dá benefício da dúvida ao Governo (por enquanto)
Um debate sem espinhas para o primeiro-ministro, no que toca à crise do coronavírus. António Costa escolheu este tema para o debate quinzenal desta quarta-feira no Parlamento - e da oposição ouviu basicamente dúvidas, muito mais do que críticas.
Rui Rio, líder do PSD e (ainda) da bancada parlamentar do partido, assumiu mesmo que esta não é "matéria de oposição". João Cotrim de Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal, sintetizaria o espírito quase unânime de concórdia, dizendo que para já o tempo não é de confronto: "Teremos tempo para voltar aos nossos duelos", disse ao primeiro-ministro.
Este, interpelado por André Ventura, aproveitou para reafirmar confiança na diretora-geral de Saúde, Graça Freitas, que, numa controversa entrevista no sábado ao Expresso, alvitrou que em Portugal a epidemia poderá, no pior dos cenários, atingir um milhão de pessoas: "Não se trata da minha diretora-geral de saúde mas da diretora-geral de saúde da República Portuguesa. Estamos numa situação de risco, numa epidemia, quase pandemia. No meio da batalha não se mudam os generais, travam-se as batalhas."
Rui Rio, o primeiro deputado a intervir no debate depois do discurso de abertura de Costa, disse que o tema não é matéria de oposição para o seu partido mas não deixou de considerar que o chefe do Governo tem uma visão "otimista" da crise do coronavírus.
O líder laranja perguntou pela resposta hospitalar prevista e pôs em causa a resposta da linha Saúde 24 às pessoas que conviveram com o escritor chileno Luís Sepúlveda (infetado com a doença) nas "Correntes d'Escrita" da Póvoa de Varzim, na semana passada.
Costa disse que "é factual" e não "otimista". Na intervenção inicial, garantiu que "tudo tem sido feito para garantir uma resposta adequada" à epidemia de covid-19 e passou em revista os passos dados até agora - dizendo além do mais que resistirá à "tentação" de fazer sobrepor a sua voz às dos técnicos.
"Com cinco casos positivos até a momento, encontramo-nos ainda numa fase de contenção da epidemia, embora se trate já de uma contenção alargada. Isso significa que os meios mobilizados têm vindo a ser progressivamente reforçados", afirmou o primeiro-ministro, sublinhando que "foram já ativados quatro hospitais de segunda linha e há outros seis em estado de prontidão".
Estão "identificadas cerca de 2000 camas de isolamento que podem ser disponibilizadas, 300 das quais em cuidados intensivos". E "são já oito os laboratórios habilitados a realizar testes ao novo coronavírus".
De acordo com o primeiro-ministro, o SNS dispõe de uma reserva estratégica de dois milhões de máscaras e outros equipamentos de proteção individual, a que se soma um stock de 1,6 milhões de máscaras da Cruz Vermelha Portuguesa, que se destinam a ser utilizadas essencialmente por profissionais de saúde". Costa diz que "o stock de medicamentos do SNS foi também reforçado em cerca de 20%".
No discurso inicial, o primeiro-ministro disse que o Governo está consciente "do impacto negativo que a epidemia em curso poderá vir a ter no comportamento da economia mundial" e admitiu que esta situação possa ter reflexos nos números do crescimento.
"Divulgaremos até 15 de abril as novas estimativas de crescimento para 2020 e anos seguintes e não deixaremos de refletir esse risco na projeção a apresentar", sublinhou, acrescentando que "importa lembrar que a economia portuguesa foi a que melhor resistiu à desaceleração económica de 2019, tendo mesmo sido a economia cujo crescimento mais acelerou na parte final do ano" - "o que nos permite encarar a situação atual com serenidade".
O líder do Executivo diz que, até agora, o impacto do novo coronavírus nas empresas portuguesas "tem sido moderado ou reduzido". "Apenas no setor do turismo, viagens e eventos tem havido uma quebra de procura e alguns cancelamentos" cujo impacto dependerá da duração do surto, referiu, anunciando que "se for necessário", o Governo está "em condições de lançar uma linha de crédito para apoio às empresas no valor inicial de 100 milhões de euros".
Costa abordou também, logo de início, uma questão que viria a repetir várias vezes ao longo do debate, garantindo que a lei portuguesa permite o isolamento profilático e a declaração de quarentena obrigatória.
No seu entender, quer a Lei de Bases da Saúde, quer a lei que delimita a ação das autoridades em caso de ameaça à saúde pública permitem a restrição de movimentos de quem possa representar um perigo para a saúde dos demais.
Também reafirmou que o pagamento das baixas a 100% será para funcionários públicos e privados por igual e ainda para os trabalhadores independentes.
Mais tarde, repetiu o que os médicos lhe disseram terça-feira uma visita ao Hospital de S. João, no Porto: as instalações do SNS só devem ser usadas para os casos mais graves, de resto todos os que tiverem de estar em quarentena é melhor que o façam no isolamento das suas casas. No final, repetiu vezes sem conta que não se podem fazer previsões sobre a evolução da epidemia. "Não sei prever qual é a situação daqui a uma semana, nenhum de nós o sabe."
Da parte do BE ouviu um aviso, pela boca de Catarina Martins: que o ministro das Finanças não faça "vetos de gaveta" às despesas extra que os serviços do Estado - na Saúde mas não só - terão de ter para enfrentar a epidemia.
O papel do governador do Banco de Portugal (BdP) face às consequências do "Luanda Leaks" e a questão do aeroporto do Montijo foram os outros dois principais temas do debate.
Na questão do BdP, Catarina Martins foi dura com Costa dizendo que o Governo não poderá lavar as mãos perante a atuação do governador se esta permitir, por exemplo, que na prática não tenham efeito as medidas que a justiça portuguesa já decretou contra a empresária angolana Isabel dos Santos (congelamento de contas).
A líder bloquista insistiu na ideia de que o Governo tem boas razões, há muito tempo, para demitir Carlos Costa - e na resposta António Costa confirmou o que há muito já se suspeitava: em julho de 2020 o Executivo não reconduzirá Carlos Costa à frente do banco central português.
Quanto ao aeroporto, voltou a ouvir acusações - nomeadamente da parte de Jerónimo de Sousa, líder do PCP - de que o Executivo está "refém" da Vinci (empresa francesa dona da ANA) e foi por isso que desistiu da opção do campo de tiro de Alcochete para a adotar a do Montijo, decidida pelo governo de Pedro Passos Coelho em 2014.
António Costa disse o que tem sempre dito: acabou o tempo da discussão sobre a localização; agora o tempo é de avançar com a construção, face ao esgotamento da Portela. Também anunciou que estão marcados novos encontros com os presidentes de câmara que estão contra (da Moita e do Seixal, ambos do PCP) para que se encontrem soluções de "mitigação" dos impactos do novo aeroporto nestes dois concelhos.