Pergunte ao Advogado. Vou voltar para o Brasil: preciso de representante fiscal em Portugal?
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Pergunte ao Advogado. Vou voltar para o Brasil: preciso de representante fiscal em Portugal?

Tem uma pergunta? Basta enviar para o e-mail dnbrasil@dn.pt que a resposta será publicada às quintas-feiras no DN Brasil.
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O advogado brasileiro André Lima responde, todas as semanas, a uma dúvida dos leitores e leitoras do DN Brasil sobre imigração.

A dúvida desta semana veio de um leitor que pergunta o seguinte: “Voltando ao Brasil, preciso deixar um representante fiscal em Portugal só por causa da declaração de IRS do ano seguinte? Ou posso aderir às notificações digitais no Portal das Finanças e tratar disso sozinho?”

O advogado André Lima responde

Voltar para o Brasil depois de viver em Portugal é, para muita gente, fechar um ciclo. Mas, do ponto de vista fiscal, esse “adeus” não se faz apenas com mala feita e bilhete de avião comprado. Há um passo essencial para evitar problemas com a Autoridade Tributária (AT): a saída fiscal.

Recapitulando: O que é a saída fiscal?

Quando alguém deixa de viver em Portugal de forma habitual e passa a residir noutro país, deixa de ser considerado residente fiscal em Portugal. Isso traz duas consequências principais:

• É preciso comunicar a mudança de residência à AT, atualizando a morada fiscal para o novo país;

• É necessário entregar a declaração de IRS do ano seguinte, relativa aos rendimentos obtidos enquanto ainda era residente em Portugal (e, em alguns casos, sobre rendimentos obtidos depois, se ainda tiver ligação tributária com o país).

Na prática, faz-se isto no Portal das Finanças: 1. altera-se a morada para o país de destino;

2. atualiza-se a situação de residente para não residente. A ideia é simples: encerrar corretamente o seu capítulo fiscal em Portugal, deixando claro a partir de que data passou a ser residente noutro país.

A dúvida desta semana: preciso de representante fiscal ao voltar para o Brasil?

O leitor que nos escreveu está a regressar em caráter definitivo ao Brasil, sem deixar bens ou rendimentos em Portugal. A dúvida foi: “Voltando ao Brasil, preciso deixar um representante fiscal em Portugal só por causa da declaração de IRS do ano seguinte? Ou posso aderir às notificações digitais no Portal das Finanças e tratar disso sozinho?”

Aqui entram três conceitos que se cruzam, mas não são iguais:

1. Saída fiscal;

2. Representante fiscal;

3. Notificações eletrónicas.

Vamos por partes.

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O que é o representante fiscal?

O representante fiscal é uma pessoa, com morada em Portugal, indicada junto da AT para:

• receber notificações, cartas e comunicações oficiais em nome do contribuinte;

• ajudar a cumprir obrigações como entrega de declarações, resposta a notificações, esclarecimentos, etc.

Ele não passa a ser “responsável pelos seus impostos”, mas é o ponto de contato em Portugal. Se chegar uma carta da AT ou surgir uma exigência sobre o IRS, é para esse representante que a informação vai.

Se você é estrangeiro, isto deve parecer familiar:

• quando chega a Portugal e ainda não é residente, precisa de um representante fiscal para pedir o NIF;

• quando sai de Portugal e deixa de ser residente, mas continua ligado ao sistema fiscal português, a lógica volta a ser muito parecida.

Europa x resto do mundo: aqui está a diferença

E é aqui que entra o ponto-chave da sua pergunta. Hoje, a regra faz uma distinção importante:

Se, ao sair de Portugal, você for morar noutro país da União Europeia (ou do Espaço Económico Europeu)

→ pode aderir às notificações eletrónicas (Portal das Finanças / ViaCTT / outros canais admitidos) e, assim, ficar dispensado de nomear representante fiscal, desde que trate tudo corretamente pelo canal digital.

• Se, ao sair de Portugal, for residir fora da Europa — como é o caso de quem regressa ao Brasil

→ passa a ser não residente fora da UE/EEE e, nessa situação, é obrigatória a constituição de representante fiscal em Portugal, ainda que também utilize notificações eletrónicas.

Ou seja, para um brasileiro que regressa ao Brasil, as notificações digitais não substituem a figura do representante fiscal. Podem até complementar, tornar a comunicação mais rápida, mas não afastam a obrigação de ter um representante com morada em Portugal.

E o IRS do ano seguinte?

Mesmo depois de regressar ao Brasil, terá de:

• entregar o IRS relativo ao último ano em que foi residente em Portugal;

• eventualmente, declarar algum rendimento que ainda tenha ligação a Portugal (se for o caso).

Enquanto essa relação com a AT existir, e estando você fora da Europa, a lei exige que haja um representante fiscal em Portugal:

• para receber notificações sobre o IRS;

• para o avisar de prazos e exigências;

• e, muitas vezes, para articular com o contabilista ou advogado a entrega da declaração e a resposta a qualquer correção.

Então, na prática, o que o leitor deve fazer ao regressar ao Brasil?

Resumindo o passo a passo:

1. Fazer a saída fiscal

Atualizar a morada no Portal das Finanças para a morada no Brasil; o Verificar se a situação passa a constar como não residente.

2. Constituir um representante fiscal em Portugal

Escolher alguém com morada cá (pode ser um profissional ou uma pessoa de confiança); o Formalizar essa representação junto da AT.

3. Tratar do IRS final com calma

Reunir toda a documentação do ano da saída;

Entregar o IRS no ano seguinte;

Acompanhar, através do representante, qualquer comunicação da AT até que tudo esteja definitivamente resolvido.

Pode, adicionalmente, aderir às notificações eletrónicas no Portal das Finanças — o que facilita bastante a consulta dos processos —, mas isso, no seu caso (regresso ao Brasil), não o dispensa do representante fiscal.

Chegada e partida: o mesmo cuidado em sentidos opostos

Quando o estrangeiro chega a Portugal, muitas vezes só consegue o NIF graças a um representante fiscal, porque ainda não é residente.

Quando decide ir embora, especialmente para fora da Europa, a lógica fecha o ciclo: da mesma forma que precisou de um representante para entrar no sistema, precisa de um representante para sair dele em segurança.

É esse representante que vai garantir que nenhuma carta da AT fica perdida, que o IRS final é tratado corretamente e que a sua história fiscal em Portugal termina sem surpresas desagradáveis.

Se está de malas prontas para o Brasil e ainda tem dúvidas sobre como organizar a sua saída fiscal, vale a pena pedir orientação antes de embarcar. Um ajuste bem feito agora pode evitar problemas e coimas no futuro — e deixar o seu regresso ao Brasil mais leve, pelo menos do ponto de vista tributário.

Tem uma pergunta?
Basta enviar para o e-mail dnbrasil@dn.pt que a resposta será publicada às quintas-feiras no DN Brasil.
Quem é o advogado que responde?
André Lima, Advogado, inscrito nas Ordens dos Advogados de Portugal e do Brasil, pósgraduado em Finanças, Reestruturação e Contencioso Corporativo pela Universidade Católica Portuguesa, e pós-graduando em Direito Internacional, Imigração & Migração pela EBPÓS. É mentor dedicado de advogados em ascensão e membro ativo de diversas associações jurídicas, incluindo o IBDESC, ABRINTER e ABA, que destacam o seu compromisso com a internacionalização do direito e a sua contribuição para a comunidade jurídica internacional.
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