PSP não confirma processo disciplinar contra agentes no caso Nicol
A notícia está desde manhã na edição digital do Público e foi replicada por vários outros meios: "Polícias com processo disciplinar por não terem detido segurança"; "Averiguação interna instaurada na semana das agressões [a Nicol Quinayas, agredida na madrugada de 24 de junho por um segurança da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto] mostrou que havia matéria para processo disciplinar no Núcleo de Deontologia da PSP do Porto. Em causa estará a violação do dever de zelo pelo facto de dois polícias não terem detido o segurança em flagrante delito". Questionada pelo DN sobre a existência desse processo, data da sua instauração e matéria da nota ou notas de culpa, a Direção Nacional da PSP remeteu para o Comando Metropolitano do Porto, que por sua vez remeteu para a Direção Nacional, a qual acabaria por responder, por escrito e quatro horas depois, sem esclarecer nenhuma das questões.
"Relativamente ao assunto referido, foram desencadeados os procedimentos adequados, quer ao nível judicial, através de comunicação ao Ministério Público, quer interno, através da abertura de processo de averiguações, de acordo com os princípios e normas legal e constitucionalmente consagrados." É esta a resposta da PSP, que como se constata não confirma a existência de um processo disciplinar decorrente do "processo de averiguações". Mas também não desmente a sua existência. Apesar da insistência do DN, em contactos telefónicos para os responsáveis das Relações Públicas da Direção Nacional e do Comando do Porto, nenhum deles procedeu a qualquer esclarecimento.
Já a tutela, ou seja, o Ministério da Administração Interna, vai um pouco mais longe: "O que existe neste momento é um processo de averiguações para determinar se há um processo disciplinar." Ou seja, não há um processo disciplinar?, pergunta o DN. "É tudo o que podemos dizer", responde a comunicação do ministério. "Não vamos comentar notícias de outros jornais."
Ora, desde a última semana de junho que é sabido que a PSP abriu um processo de averiguações relacionado com o comportamento dos agentes que "tomaram conta da ocorrência" na qual Nicol Quinayas, de 21 anos, nascida na Colômbia mas a viver em Portugal desde os 5 anos, foi agredida por um segurança da empresa 2045 que atuava como fiscal da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto e alega ter sido alvo de insultos racistas. A abertura desse processo de averiguações deveu-se, segundo a Direção Nacional, ao facto de "o auto policial ter sido elaborado apenas no dia 27. Perante este atraso e perante o relato da jovem, o comandante da PSP do Porto determinou a abertura de um processo de averiguações para análise da atuação policial e apuramento de eventuais responsabilidades disciplinares". Recorde-se que Nicol, assim como as duas amigas que a acompanhavam e várias testemunhas ouvidas pelo DN, assevera que os agentes da PSP que foram ao local não a identificaram nem lhe perguntaram o que sucedera, tão-pouco se queria apresentar queixa (a jovem apresentaria a participação na noite desse dia, na esquadra da Corujeira, onde lhe asseguraram que nada existia no sistema da PSP sobre o ocorrido)."Não foram polícias", resume.
Por outro lado, seria suposto Nicol ser ouvida no âmbito do processo de averiguações, como a Direção Nacional da PSP garantiu ao DN, numa comunicação de dia 4 deste mês: "Existe um processo de averiguações a decorrer. A queixosa será necessariamente ouvida." Mas, como ontem o DN noticiou, a queixosa ainda não foi ouvida, como de resto não o foi pela Inspeção-Geral da Administração Interna, à qual o ministro Eduardo Cabrita ordenou, a 29 de junho, que proceda também a uma averiguação dos factos. Igualmente, nenhuma das duas amigas que a acompanhavam, Tânia Marques e Daniela Mendes, terá sido inquirida pela PSP ou pela IGAI e o Público assevera hoje que algumas outras testemunhas identificadas nas notícias quer do DN quer do Público também não o foram.
Acresce que, como o DN revelou ontem, apesar de estar a proceder a um apuramento de factos relacionados com o comportamento dos agentes, a PSP na sua comunicação dá como provado que estes, ao comparecer na paragem do autocarro 800 na zona do Bolhão, por volta das 05.30 da manhã de 24 de junho, em resposta a chamadas de circunstantes, "não presenciaram as alegadas agressões de que [Nicol Quinayas] terá sido vítima" - ou seja, não se confrontaram com uma situação de flagrante delito -, e que os envolvidos (Nicol e o segurança da 2045) foram identificados no local pelos agentes e recolhida inclusive a respetiva versão dos acontecimentos: "A referência a versões contraditórias, recolhidas nessa madrugada pelo efetivo que respondeu à ocorrência, resulta do facto de ambos os envolvidos se acusarem mutuamente de agressões e de estas terem sido iniciadas pela outra parte."
Há ainda o facto de não terem sido apenas dois os agentes da PSP que estiveram no local, como aliás adiantaram desde logo as testemunhas entrevistadas pelo DN a 26 de junho. A Direção Nacional da PSP não quis esclarecer qual a dimensão do efetivo presente, mas comunicou ao DN, a 4 deste mês, que "a primeira equipa no local foi uma EPRI, equipa de prevenção e reação imediata (os polícias dos capacetes que a jovem [Nicol Quinayas] refere) e que, posteriormente, pelo menos a equipa de serviço à área também". Assim, em princípio, não será só a atuação de dois agentes a estar em causa no processo de averiguações.
Nicol foi ouvida na terça-feira pelo DIAP do Porto, sendo advertida de que doravante não deverá prestar declarações sobre o caso por este se encontrar agora em segredo de justiça.