PSP: Mulher que se queixa de agressão policial e racismo foi constituída arguida
A mulher que apresentou uma denúncia contra um polícia que a deteve no domingo na Amadora, ocorrência que envolveu "agressões", foi esta terça-feira constituída arguida e sujeita à medida de coação de termo de identidade e residência, segundo a PSP.
Inicialmente fonte da SOS Racismo afirmou ao DN que o agente que esteve envolvido nas alegadas agressões a Cláudia Simões tinha sido constituído arguido.
Presente a um juiz de instrução criminal, a mulher ficou indiciada do crime de resistência e coação sobre agente da autoridade, enquanto o polícia envolvido "não foi constituído arguido", avançou à agência Lusa fonte da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP).
"O caso transitou para processo comum [segue para investigação]", disse fonte policial, acrescentando que, devido às versões contraditórias da mulher e do polícia, está a decorrer um inquérito para averiguar as circunstâncias da ocorrência.
Neste âmbito, a investigação inclui o interrogatório de todas as pessoas envolvidas, assim como a identificação da "extensão dos ferimentos" da mulher detida e do polícia e quais as mazelas para o futuro, uma vez que foram ambos assistidos no Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora.
Ao DN, Ana Cristina Domingues, advogada de Cláudia Simões, esclarece que a sua cliente foi detida, ouvida esta terça-feira pelo Ministério Público e constituída arguida por ofensa à integridade física qualificada, no âmbito do auto de notícia lavrado pela PSP devido à alegada agressão de que o agente terá sido alvo.
No âmbito a ocorrência de domingo na Amadora, a organização SOS Racismo recebeu terça-feira "uma denúncia de violência policial contra a cidadã portuguesa negra", indicando que a mulher ficou "em estado grave", resultado das agressões que sofreu na paragem de autocarros e dentro da viatura da PSP em direção à esquadra de Casal de São Brás, na Amadora, no distrito de Lisboa.
Cláudia Simões pediu que o Ministério Público notificasse a empresa Vimeca para preservar as imagens do autocarro onde seguia e onde tudo se iniciou, afirma a advogada. Acrescenta que requereu para que fossem inqueridas duas testemunhas, bem como a conexão dos processos. Ou seja, foi pedido para que a queixa que Cláudia Simões fez contra o agente da PSP seja incorporada neste processo onde ela foi hoje ouvida.
"Esperamos que o senhor agente da autoridade, até no sentido de credibilizar o nosso sistema de justiça, seja constituído arguido rapidamente e que também seja ouvido pelo Ministério Público", afirmou Ana Cristina Domingues, que fala numa "agressão cruel e desumana" a Cláudia Simões. "Ficou muito debilitada".
Imagens partilhadas nas redes sociais mostram como Cláudia Simões ficou depois das alegadas agressões quando estava a ser detida pela PSP.
Sobre as circunstâncias da ocorrência, a Direção Nacional da PSP informou que o polícia acusado de agredir a mulher detida "foi abordado pelo motorista de autocarro de transporte público que solicitou auxílio em face da recusa de uma cidadã em proceder ao pagamento da utilização do transporte da sua filha, e também pelo facto de o ter ameaçado e injuriado".
"Este polícia, depois de se inteirar da versão dos acontecimentos prestada pelo motorista, dirigiu-se à cidadã por este indicada", esclareceu a PSP, referindo que a intervenção policial ocorreu pelas 20:30 de domingo, na Amadora.
Joacine Katar Moreira, deputada do Livre, já reagiu às notícias da alegada agressão, com o envio de quatro perguntas dirigidas ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.
As perguntas e o texto que as acompanha foram publicados na página de Facebook (ligada ao partido) da deputada.
Ao contrário da denúncia contra o polícia, a PSP afirmou que a mulher reagiu de forma "agressiva" perante a iniciativa do polícia em tentar dialogar, "tendo por diversas vezes empurrado o polícia com violência, motivo pelo qual lhe foi dada voz de detenção".
A partir do momento da detenção da mulher, alguns outros cidadãos que se encontravam no interior do transporte público tentaram impedir a ação policial, nomeadamente "pontapeando e empurrando o polícia", disse a Direção Nacional da PSP, em comunicado, acrescentando que o polícia se encontrava sozinho.
Para fazer cessar as agressões, o polícia "procedeu à algemagem da mesma, utilizando a força estritamente necessária para o efeito face à sua resistência".
"Salienta-se que a mesma, para se tentar libertar, mordeu repetidamente o polícia, ficando este com a mão e o braço direitos com marcas das mordidelas que sofreu e das quais recebeu tratamento hospitalar", avançou a PSP.
Através do Facebook, o Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública partilhou imagens das alegadas agressões da detida ao agente da polícia.
A situação só ficou resolvida com a chegada de reforço policial, para conter as pessoas no local e promover a condução da mulher detida à esquadra para formalização da detenção e notificação para comparência em tribunal.
De acordo com a PSP, a mulher detida pediu para ser conduzida ao Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora, o que aconteceu pelas 22:00 de domingo, assim como o polícia que foi igualmente assistido na mesma unidade hospitalar, encontrando-se de baixa médica e, "até ao momento, não foi decretada a suspensão preventiva de funções", disse à Lusa fonte policial.
Como consequência direta da formalização de uma denúncia contra o polícia que procedeu à detenção, apresentada pela mulher na segunda-feira, "a PSP já iniciou a instrução de um processo de averiguações para, a par do processo criminal, proceder à averiguação formal das circunstâncias da ocorrência e de todos os factos alegados pela cidadã".
Segundo a organização SOS Racismo, a mulher detida "confirmou toda a cronologia da bárbara agressão de que foi vítima em frente à sua filha menor de 8 anos", relatando ainda que, enquanto a agredia, "o agente não parou de proferir insultos racistas".
"A versão da vítima desmente em tudo o conteúdo da versão do comunicado emitido pela PSP sobre este caso de abuso de força e de violência policial", reforçou a SOS Racismo, alertando que 76% das queixas contra agentes de polícia por agressão a cidadãos no concelho de Amadora são arquivadas.
Para esta organização, "é inconcebível que a vítima seja constituída arguida e presente 'sine die' a tribunal enquanto nada acontece ao seu agressor".
Neste sentido, a SOS Racismo defendeu que o polícia envolvido nas agressões deve ser "imediatamente suspenso" de funções, pretendendo "que se faça justiça e que se acabe com a impunidade da violência policial racista".
(Notícia atualizada às 20:40)