Foram absolvidos dois militares da GNR acusados de espancar homem no posto

Tribunal de Penafiel considerou provado que o homem apresentava hematomas por todo o corpo. Todavia "não foi possível determinar que as mesmas foram consequência da atuação" dos guardas. O queixoso, já condenado por resistir a detenção, irá pagar custas do processo.
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Os dois guardas do posto da GNR da Lixa chegaram a tribunal acusados do crime de ofensa à integridade física qualificada. Dizia o Ministério Público (MP) que os guardas agrediram, por vingança, um cidadão que antes tinham detido, com "repetidos murros e pontapés, dispersos por todo o corpo, mas com mais incidência na zona da cabeça/rosto, até ao ponto de causar o seu desmaio e o descontrolo das fezes e da urina". Feito o julgamento, em Penafiel, isto não resultou provado e os dois militares foram absolvidos por não haver certeza que as lesões sofridas pelo homem tenham sido o resultado de agressões no posto. O queixoso, que por ser assistente no processo irá ter que pagar as custas do processo, já tinha sido condenado por agressões e ameaças, na altura em que foi detido.

O caso ocorreu na Lixa em 31 de agosto de 2014, há quase cinco anos. A GNR foi chamada cerca das 08.00 devido ao barulho que um grupo de quatro a cinco jovens faziam no centro da vila, num fim de semana em que decorriam as festas de Nossa Senhora da Vitória. No local, os jovens tinham uma coluna de som que estava ligada a um automóvel. No grupo estava Filipe Teixeira, 27 anos, que recebeu ordem de detenção após dirigir a um dos guardas "palavras consideradas injuriosas, humilhantes e até atentatórias da sua dignidade pessoal e militar", tendo inclusiva partido um vidro da viatura policial, factos dados como provados neste acórdão de maio passado do Tribunal de Penafiel.

A detenção terá sido complicada, com resistência do homem que foi colocado na parte traseira de um jipe da GNR e conduzido ao posto, onde esteve durante três horas e onde, dizia o MP, teriam ocorrido as agressões. Filipe Teixeira já tinha sido julgado em Felgueiras pelos factos ocorridos durante a sua detenção e condenado a uma multa de 1800 euros, mais trabalho comunitário, pelos crimes de ofensa à integridade física qualificada e de ameaça agravada. Esta sentença foi levada em conta neste julgamento dos guardas e o que estava em causa era se os militares agrediram o detido no posto, como vingança pela sua reação no largo da Lixa. Foi, de resto, do julgamento singular em Felgueiras que veio a resultar esta acusação do MP. Que não vingou.

"Quanto à concreta atuação que é imputada aos arguidos, no tocante à agressão perpetrada em relação ao assistente, e que as lesões que o assistente apresentava foram causa direta e necessária da atuação dos arguidos, a prova produzida e examinada não permitiu formular um juízo de certeza positivo", lê-se no acórdão.

Versão dos guardas sem credibilidade

Os guardas argumentaram que após deixarem o homem no posto foram ao hospital receber tratamento a ferimentos sofridos durante a detenção, tendo "ambos admitido como possível que, na tentativa de controlar o assistente que esbracejava e pontapeava e de o algemar, e por força do próprio comportamento deste de resistência à detenção, o mesmo possa ter sofrido algumas lesões". Já o queixoso, admitindo em tribunal o seu comportamento insultuoso e de resistência à detenção, disse que no interior do porto, entre as 08.40 e as 11.46, hora a foi libertado, foi agredido pelos dois guardas e por mais militares. Disse que foi agredido com murros, pontapés, um balde, a coronha de uma arma e cassetete. Foi ao hospital e o relatório médico indicava hematomas por todo o corpo, visíveis até em fotografias que tirou na altura.

Dos testemunhos em tribunal, os juízes ouviram versões totalmente contraditórias. Os dois guardas tiveram a sua versão corroborada por outros quatro colegas, embora nem sempre coincidentes. Os três juízes do coletivo consideraram que houve várias incoerências nestes depoimentos, um deles merecendo mesmo reserva pela sua falta de credibilidade. Uma das questões é o tempo que os dois guardas arguidos passaram fora do posto nessa manhã quando foram receber tratamento hospitalar. Outra refere-se à discrepância no relato dos factos relativos à detenção, com um guarda a dizer que um colega do queixoso o acompanhou no jipe, outro a dizer que não, e ainda outro militar a afirmar que teriam ido dois amigos com o detido. Os juízes duvidam que, perante tanta conflitualidade, com insultos e agressões, a GNR tenha colocado amigos com o detido no interior de uma viatura policial.

"Pese embora a versão dos arguidos não nos tenha merecido credibilidade, nos termos referidos, a versão do assistente também não se afigurou suficiente para a prova da factualidade", alegam os juízes, relembrando o contexto da detenção na Lixa. Mesmo tendo em conta que "resultou provado que no dia referido o assistente sofreu as lesões físicas que se encontram descritas". Todavia "não foi possível determinar que as mesmas foram consequência da atuação dos arguidos". E assim concluíram que "não é possível formular um juízo de certeza positivo, para além da dúvida razoável quanto ao que efetivamente aconteceu e, concretamente adquirir a certeza de que os arguidos agrediram o assistente nos termos imputados na acusação pública."

Os dois guardas foram absolvidos e o queixoso, que era assistente e beneficia de apoio judiciário, irá ter que pagar as custas do processo. Pelo meio, já tinha desistido do pedido de indemnização cível que tinha formulado e até procurou desistir da queixa-crime o que não foi aceite por se tratar de um crime público.

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