Carrilho volta a tribunal. "Estás a ver estas escadas? Atiro-te e vamos todos ao teu funeral"
Mais de um ano depois da absolvição dos crimes de violência doméstica e difamação sobre Bárbara Guimarães, Manuel Maria Carrilho voltou a sentar-se no banco dos réus, esta quarta-feira, no Campus de Justiça, em Lisboa. Chegou pouco depois das 14:30, trocou umas palavras com o seu advogado e esperou pelo início da audiência, enquanto lia uma página de uma revista onde estava escrita uma peça sobre si e a ex-mulher. A reabertura do julgamento, que esteve agendada para o passado dia 9 de janeiro e acabou por ser adiada para esta tarde, é mais um episódio da batalha jurídica entre o antigo ministro da Cultura e a apresentadora de TV.
À entrada, o advogado de Carrilho, Paulo Sá e Cunha, disse que, "em teoria", os novos factos sobre os quais a audiência se vai debruçar podem mudar a sentença, mas não acredita que isso aconteça. Nem acredita que os mesmos fragilizem o arguido. "É um retomar de julgamento que se espera curto", disse aos jornalistas.
"O que está aqui em discussão é um facto que não tinha sido contemplado anteriormente e que, de acordo com a decisão do Tribunal da Relação, vamos ter que apreciar. É uma alteração não substancial dos factos que diz respeito a um episódio de um determinado dia", explicou o advogado.
Em causa está um episódio em que Carrilho terá ameaçado Bárbara Guimarães: "Estás a ver estas escadas? Atiro-te e vamos todos ao teu funeral", terá dito o arguido, de acordo com a tese da acusação. Tal terá acontecido em Lisboa a 14 de setembro de 2013, mas a defesa de Carrilho alega que as ameaças nunca tiveram lugar, até porque no dia em questão o então casal estava num casamento em Viseu, que começou às 16:00.
Na sessão desta quarta-feira, o advogado do arguido começou por requerer, como contraprova do facto, que se procedesse à inquirição como testemunhas de dois elementos da família de Manuel Maria Carrilho. O irmão, António Carrilho, foi o primeiro a ser ouvido e relatou o casamento da sobrinha, Maria Meneses Carrilho, em Viseu, onde Bárbara, o então marido e os filhos estiveram presentes. "Na hora em que me vim embora o Manuel já tinha saído com os filhos, bastante mais cedo. A Bárbara ficou". O casamento foi a 14 de setembro de 2013, a referida data dos novos factos que estão em causa na reabertura do processo.
A versão foi corroborada por Bernardo Carrilho, sobrinho de Carrilho, que voltou a recordar o casamento de Maria Meneses Carrilho. "O meu tio saiu mais cedo. A minha tia Bárbara ficou na festa até mais tarde". Este acrescentou que Bárbara terá pernoitado numa das casas que o casal detinha numa quinta depois de sair da festa às duas da manhã. Questionado pelo advogado se podia garantir, respondeu: "Presumo".
O antigo ministro da Cultura, que chegou pouco depois das 14:30, não falou na audiência desta tarde. Bárbara Guimarães não esteve presente e foi representada por José António Pereira da Silva, que se estreia neste processo como advogado da apresentadora.
À saída, o advogado da alegada vítima não quis comentar o que foi dito durante a sessão, mas disse esperar que, desta vez, Carrilho seja punido, frisando que está em causa um caso de violência doméstica e que também os filhos do casal são vítimas desta violência pela exposição a que estão sujeitas, recordando que esta quarta-feira, 30 de janeiro, o filho mais velho do casal, Dinis Maria, faz 15 anos.
"Estas crianças estão a ser vítimas de uma violência fortíssima e a comunicação social tem responsabilidade nisso", sublinhou. "Não percebo como o Ministério Público, assistindo a isto (reportagens em que os filhos têm aparecido publicamente), não constituiu as crianças vítimas deste crime. Os conflitos entre os pais resolvem-se aqui dentro, nos tribunais, não em praça pública", rematou ainda.
Por isso, e devido ao estado de saúde de Bárbara Guimarães (que atualmente se encontra a lutar contra o cancro, como tornou público recentemente), José António Pereira da Silva diz não querer "perder esta oportunidade" para finalmente fechar os capítulos judiciais entre o ex-casal, que já se arrastam há anos.
Também em declarações aos jornalistas, Manuel Maria Carrilho disse sentir-se "confiante" com o resultado deste julgamento. "Sempre estive confiante", frisou.
Ainda antes da audiência, Sá e Cunha falou sobre as imagens divulgadas pela TVI, no início deste ano, em que Carrilho surge a agredir a apresentadora: disse que gostava de saber é como a estação televisiva conseguiu as imagens. "Aquilo que gostava de saber é como é que elas foram obtidas, porque sei que não requereu a consulta do processo onde essas imagens estão", disse. "E gostava de saber se quem as facultou pensou no superior interesse dos menores que aparecem no vídeo", remata, referindo-se aos filhos do casal.
Questionado ainda se estas imagens iriam ter alguma relevância para este julgamento, o advogado garantiu que não, pois "isso é outro processo".
A próxima sessão do julgamento realiza-se a 22 de fevereiro, às 14:00, onde serão feitas as alegações finais. A sentença será lida a 8 de março.
O processo refere-se ao período em que as duas figuras públicas ainda eram casadas. A decisão da juíza Joana Ferrer, participada a 15 de dezembro de 2017, de absolver Carrilho, não satisfez as convicções do Ministério Público (MP), que invocou "nulidades de despachos que indeferiram a realização de diligências de prova essenciais e indispensáveis à descoberta da verdade".
A juíza tinha definido que "perante a realidade trazida ao tribunal, prova pericial inconclusiva e perante uma prova testemunhal abundante, mas que não foi capaz de sustentar a acusação, não resulta da matéria de facto provada que o arguido tem cometido o crime de violência doméstica". Contudo, durante o julgamento, o MP e a defesa de Bárbara Guimarães tinham pedido para acrescentar um novo facto que não constava da acusação o que foi recusado pela juíza e que será agora o que leva o Tribunal da Relação de Lisboa a reabrir o processo.
O facto em causa ocorreu em setembro de 2013 na residência do casal em Lisboa, onde, alegadamente, Carrilho terá agarrado Bárbara e proferido palavras ameaçadoras. O tribunal da Relação considerou que não é uma alteração substancial dos factos e mandou ser avaliado, para depois ser proferida nova sentença.
O advogado de Manuel Maria Carrilho, Paulo Sá e Cunha, confirmou ao DN que este "facto novo estará em discussão na audiência", mostrando-se convicto que não haverá alteração na decisão final, isto é, que o antigo ministro irá ser de novo absolvido.
No entanto, o MP tem outra perspetiva e considera que a sentença deve dar "como provados os factos vertidos na acusação pública" e proferir a condenação do "arguido pela prática de um crime de violência doméstica". Por isso tinha apresentado recurso da sentença, tal como Bárbara Guimarães, que nem chegou a ser analisado já que a Relação após se pronunciar pela nulidade da sentença determinou o regresso dos autos ao tribunal de primeira instância.
Este é um dos processos que envolve Manuel Maria Carrilho e Bárbara Guimarães. Noutro caso, julgado em tribunal coletivo e relativo a factos já após a separação do casal, o tribunal condenou Manuel Maria Carrilho a quatro anos e seis meses de prisão com pena suspensa por agressão, injúrias, violência doméstica, entre outros crimes cometidos contra a apresentadora de televisão em 2014. O ex-ministro da Cultura ficou ainda obrigado a pagar-lhe 50 mil euros de indemnização, a frequentar um curso para agressores e ainda proibido de a contactar. Ainda está em fase de recurso.
Carrilho foi também condenado a oito meses de prisão por ofensa à integridade física qualificada e injúria agravada contra o pedopsiquiatra Pedro Strecht. A pena foi convertida em multa de 2400 euros. Os crimes ocorreram no intervalo de uma das audiências do processo de proteção e regulação do poder parental dos filhos em comum com Bárbara Guimarães, por não ter gostado do relatório apresentado pelo pedopsiquiatra em tribunal.
No decorrer do anterior julgamento, Bárbara Guimarães pediu o afastamento de Joana Ferrer (que também acabaria por requerer a sua própria saída do caso) por suspeita de parcialidade, depois de se ter sentido maltratada pela mesma. "Parece que o professor Carrilho foi um homem até ao nascimento da Carlota (filha do casal) e depois passou a ser um monstro. O ser humano não muda assim", proferiu a magistrada numa das sessões, o que deixou a apresentadora de televisão desconfortável. Contudo, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou os pedidos, considerando que a magistrada se deveria manter no processo.