"Imagine", o veleiro cheio de cocaína e o "muro" da PJ contra o tráfico
Podia ter sido apenas mais uma apreensão de droga - no caso meia tonelada de cocaína a bordo de um veleiro nos Açores - mas não foi. Com esta operação da PJ foi depois capturado um poderoso grupo de traficantes na lista dos mais procurados da Europol
Esta quarta-feira, na sede da Polícia Judiciária, estiveram Miguel Rodriguez da Europol, Michael O'Sullivan, coordenador do Maritime Analisys and Operations Centre - Narcotics (MAOC-N), Francisco Pena e Ramón Clérico, da Polícia Nacional e Guardia Civil de Espanha, Marko Peris,da Estonian Central Criminal Police, Jan Brandenhorst da Polícia Nacional da Holanda, e Sandro Caren, oficial de ligação do Brasil em Portugal.
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No centro das atenções estava a PJ e o momento serviu para vincar a importância na cooperação policial internacional no combate ao tráfico de droga e mostrar o "muro" no combate ao tráfico de droga que Portugal, conhecido por ser um ponto de passagem, está a ajudar a construir, segundo a PJ.
Apesar da investigação ainda não estar concluída, a Europol quis valorizar o seu papel de coordenação e a cooperação entre as várias polícias. "Acompanhámos este caso deste início. Trata-se de uma organização complexa e esta cooperação policial era essencial. É a única forma de combater esta criminalidade transnacional. Temos referenciadas mais de 5000 organizações criminosas desta natureza e não há nenhum país que as consiga combater sozinho", assinalou Fernandez da Europol.
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"Esta investigação teria sido impossível sem isso", acrescentou Francisco Pena, da Polícia Nacional espanhola.
Há poucos meses, mais precisamente em julho, quase passou despercebida a captura de um veleiro, ao largo da ilha Terceira, Açores, repleto de droga. A PJ, numa operação denominada Tiphon - apreendeu meia tonelada de cocaína que tinha como destino Espanha e o depois seguiria para outros países europeus.
Mas essa operação foi bem mais que isso. Afinal, como se veio agora a saber, tratou-se do princípio do fim de uma poderosa rede de traficantes internacionais de droga que estava já a ser perseguida por vários países, numa investigação que contava com a coordenação ao mais alto nível do MAOC-N e da EUROPOL.
Na apresentação cronológica apresentada ficou-se a saber que a investigação percorreu vários países e polícias. Primeiro e Espanha, onde em 2017 os suspeitos começaram a ser vigiados, até o momento em que zarparam de Valência para os Açores com o veleiro.
Depois, através da coordenação da Europol e do MAOC, a dica chegou à PJ, avisando de que haveria uma embarcação de nome "Imagine" prestes a aportar na praia da Vitória, ilha Terceira, garantidamente carregada de droga.
A PJ de Ponta Delgada, dirigida por Renato Furtado, cercou o veleiro e apreendeu uma das maiores quantidades de cocaína de sempre, detendo dois suspeitos.
Entretanto, as notícias chegaram à Holanda, que já tinham falado com os polícias espanhóis sobre a investigação a este grupo. As autoridades detiveram também dois outros suspeitos.
Um "muro" no combate à tráfico
O 'presente' da PJ para este processo, com o nome código da Europol "26Keaney" (escolhido pela Holanda - 26 é o número da unidade de combate à droga e Kearney o nome de uma cidade dos EUA), foi mostrar que, apesar de Portugal ser conhecido por ser um ponto de trânsito de estupefacientes, é possível, com a cooperação internacional, dificultar muito a vida a estes traficantes.
"Temos desempenhado um papel muito relevante no bloqueio a este tráfico, que passa por Portugal. Através da cooperação com vários países e agências, estamos a construir um 'muro' à entrada da cocaína em território europeu e é isso que a Europol e os representantes dos países que se deslocaram à sede da PJ, vieram assinalar", sublinha fonte autorizada da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE).
Em comunicado oficial, é destacado que "na sequência de uma operação policial conjunta, desenvolvida nos últimos meses pela Polícia Judiciária e pelas competentes autoridades policiais de Espanha, Holanda, Estónia e do Brasil, foi possível desmantelar uma organização criminosa transnacional dedicada à introdução de grandes quantidades de cocaína no continente europeu, procedendo-se, também, à apreensão de cerca de meia tonelada daquele tipo de estupefaciente que era transportada numa embarcação de recreio do tipo veleiro".
Traficantes 'multiculturais'
Em julho, juntamente com a apreensão da cocaína, foram detidos dois suspeitos. Nos últimos meses outros três - todos de diferentes nacionalidades: dois holandeses, um inglês, um estónio e um quinto de outra nacionalidade que não foi divulgada - um autêntico 'gangue multicultural'.
Estavam referenciados por tráfico em vários países, entre os quais a Espanha, a Holanda e a Estónia.
A cocaína apreendida no veleiro na Terceira tinha partido do Brasil e deveria ser entregue num porto europeu. A escala na ilha Terceira serviria para descanso da tripulação e reabastecimento. A origem da droga seria um dos conhecidos países produtores da América do Sul, Colômbia, Peru e Bolívia.
De acordo com o comunicado da PJ na altura, as buscas ao interior da embarcação permitiram encontrar "duas áreas distintas, especialmente reconfiguradas na estrutura da embarcação para o transporte de estupefacientes".
No interior desses compartimentos foram encontradas as placas de cocaína "com o peso aproximado de 500 quilos, bem como uma pistola". De acordo com o coordenador da PJ no arquipélago esta foi "a segunda maior apreensão de droga nos Açores este ano".
Os detidos nos Açores estão em prisão preventiva. Trata-se de um holandês e de um estónio, este com antecedentes criminais e com registo de ter cumprido já pena de prisão por este tipo de crimes em Portugal.