Há alunos que estão a faltar à escola por falta de transporte

Só na freguesia de Souselas, nos arredores de Coimbra, há 25 alunos sem transporte. Mas são muitos mais na escola onde estudam, a Avelar Brotero, em Coimbra. No Algarve, a escola Pinheiro e Rosa tem cerca de 60 alunos espalhados pelas zonas rurais, que ficaram com apenas uma carreira desde que a empresa de transportes entrou em lay-off. As autarquias estão a tentar salvar o problema.

"Às vezes as pessoas esquecem-se que o país não é só Lisboa. Que nem em todo o lado há autocarros de 15 em 15 minutos". Francisco Soares, diretor do agrupamento de escolas Pinheiro e Rosa, em Faro, resume assim o problema que o atormenta desde há vários dias, enquanto tenta arranjar solução: cerca de 60 alunos da Escola Secundária que dirige vivem na zona rural e não têm forma de deslocação, desde que a empresa de transportes EVA suprimiu quase todas as carreiras, depois de entrar em lay-off.

"Ando em conversações com o presidente da câmara, para tentar resolver este problema. Estamos concertados e julgo que em breve conseguiremos levar todos às aulas, mas não é fácil", disse ao DN o responsável do agrupamento, que lembra a extensão daquela zona algarvia, onde a pandemia levou a empresa transportadora a deixar "apenas uma carreira por dia, entre Faro e São Brás de Alportel".

Entre os 11º e 12º anos há 160 alunos na Escola Secundária Pinheiro e Rosa. Alguns dos 60 que moram na zona rural têm conseguido ir às aulas presenciais (que iniciaram na segunda-feira), levados por familiares - outros faltam desde então. "Mas isso não é solução", adianta Francisco Soares, que entronca o problema do transporte num outro, mais vasto: "para termos a carga letiva integral, os alunos que são da zona rural e demoram muito tempo até voltar para casa, perdem depois as aulas síncronas. Por isso temos que libertar parte da tarde".

"Isto levanta problemas de grande desigualdade e aprofundamento das assimetrias sociais", considera o diretor da escola de Faro. Mas por todo o país há relatos de casos (em maior ou menor número) de alunos que não têm forma de chegar às escolas, sobretudo em zonas rurais.

Do Algarve ao Centro, faltam carreiras

Paradoxalmente, um dos casos em que se verifica um número razoável de alunos que comunicaram a falta de transporte é na escola secundária Avelar Brotero, em pleno centro da cidade de Coimbra. "Só na minha freguesia tenho identificados 25 adolescentes nessas circunstâncias", disse ao DN Rui Soares, presidente da Junta de Souselas e Botão, que pediu apoios às IPSS"s locais para garantir o transporte dos alunos, ainda não totalmente garantido. "Há uma carreira às 7 da manhã, mas os alunos só têm aulas às 13.30", disse o autarca, cientes de que a responsabilidade dos transportes escolares está entregue às autarquias locais. No seu caso, nem esperou que a Câmara o fizesse, e avançou com a solução. "Isto prova que deviam ter acautelado o fecho da escola que tínhamos aqui, e que agora está fechada, com todos os equipamentos ao abandono, enquanto os miúdos estão nesta situação - quando tinham uma escola à porta de casa", acrescenta Rui Soares, referindo-se ao caso Instituto Educativo de Souselas, que com os cortes do Governo nos contratos de associação acabou por fechar as portas. Todos os alunos das aldeias à volta de Souselas foram transferidos para escolas de Coimbra. Entre esses estão os tais 25 que agora precisam de transporte, desde que a a empresa Transdev suprimiu as carreiras, à conta do lay-off a que aderiu.

A filha de Paula Costa está entre esse grupo. Aluna do 11º ano na Secundária Avelar Brotero, tem percorrido vários caminhos até conseguir chegar à escola. "Ontem fui levá-la à Pedrulha (uma localidade perto de Coimbra), para conseguir apanhar um autocarro até à escola. Mas nem sempre consigo fazer isso", disse esta mãe ao DN. Sabe dos esforços da junta de freguesia e espera que na próxima semana lhe garantam o transporte da filha, três dias por semana. A mesma sorte não teve ainda o filho de Célia Santos, na freguesia de Tentúgal, concelho de Montemor-o-velho, também ele aluno da Avelar Brotero. "É impossível ele ir às aulas. Eu trabalho na Figueira da Foz, o pai trabalha em Pombal. Só há carreira de manhã e à noite, ele normalmente apanhava dois autocarros para ir para a escola", relata esta mãe, que enviou já um email a solicitar que o filho possa usufruir do regime de exceção que abarca os alunos de risco, por exemplo.

Alguns dias antes do início das aulas presenciais para os alunos dos 11º e 12º anos, o Conselho Geral da Escola Secundária de Avelar Brotero emitiu um extenso comunicado em que manifestava a sua "forte apreensão a respeito do regresso às aulas durante o corrente ano letivo", elencando um conjunto de condições por cumprir, nomeadamente a questão da deslocação.

Aquele órgão fala de um "acréscimo do potencial de desigualdade face a diferentes soluções encontradas por diferentes escolas, fruto das características arquitetónicas, do número de alunos em cada grupo-turma, do número de exames a realizar em cada escola e por cada aluno, bem como das distintas opções permitidas na redução, de até 50%, da carga letiva das disciplinas lecionadas em regime presencial". No documento, o Conselho Geral sublinha a "desigualdade de oportunidades acrescida entre os alunos que venham e aqueles que não venham a frequentar as aulas em regime presencial, por manifesta e legítima opção dos encarregados de educação, não estando a escola obrigada, nestes casos, à prestação de serviço remoto". Além disso, acrescenta ainda o que considera ser "tratamento desigual de diferentes disciplinas, veiculando-se implicitamente uma mensagem de desvalorização das disciplinas não sujeitas a exame".

Na véspera do regresso, a professora Cristina Janicas, diretora de uma das turmas do 11º ano, escreveu no Facebook um post que foi amplamente partilhado: "A lei não tratou todos/as equitativamente. O Decreto-lei emanado pelo Ministério da Educação esqueceu e discrimina negativamente os/as alunos/as que não vão à Escola porque não têm como ir... não têm objetivamente como se deslocar. As empresas de transporte não o asseguram. Estes alunos e alunas existem. Não são números... Sei-lhes o nome", referiu a docente, que acusa o Ministério de abandono destes alunos.

Contacto pelo DN, fonte do ME informou não ser essa uma responsabilidade sua [assegurar o transporte escolar], mas antes dos municípios.

Problema agrava-se no interior

À Confederação das Associações de Pais (CONFAP) não têm chegado reclamações inerentes à falta de transporte, tal como assegurou ao DN o presidente, Jorge Ascenção. Já o Filinto Lima, presidente da Associação dos Diretores Escolares, confirmou a existência de alguns casos, espalhados pelo país, "sobretudo em zonas rurais e do interior".

Na Área Metropolitana de Lisboa foram feitos novos ajustes pelos TST - Transportes Sul do Tejo. O gabinete de comunicação emitiu esta quarta-feira uma nota alusiva à medida, dando conta de que as alterações incidem "em oito carreiras, no sentido de adequar a oferta às necessidades resultantes do regresso das aulas presenciais dos alunos do 11.º e 12.º anos nas escolas secundárias e do 2.º e 3º anos dos cursos profissionais".

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