Email usado sem consentimento. Absolvido homem acusado de ameaçar de morte Bruno de Carvalho
Um arquiteto dos Açores foi a tribunal acusado de, em 2014, ter enviado mensagens por email ao Sporting em que ameaçava de sequestro e de morte o então presidente Bruno de Carvalho e a sua mulher. Houve investigação da Polícia Judiciária, acusação do Ministério Público, instrução do processo e, apesar de o acusado sempre negar e apontar que houve apropriação do endereço de email em causa, teve mesmo de se deslocar a Lisboa para o julgamento. No tribunal, numa única sessão, todos acabaram a concordar que não havia prova. Foi absolvido pela juíza e Bruno de Carvalho, que pedia uma indemnização cível de dois mil euros, negada pelo tribunal, ainda acabou condenado a pagar a 100% as custas judiciais nesta parte cível.
As mensagens chegaram ao Sporting em abril de 2014 e o presidente do clube apresentou queixa no DIAP de Lisboa. Após recolha de elementos, com investigação da PJ, foi apontado um arquiteto dos Açores como o autor da mensagem e o responsável pelo envio através de um endereço de email que havia sido criado pela mulher. Bruno de Carvalho avançou com acusação particular pelos crimes de ameaça agravada e injúria tendo o Ministério Público apenas acompanhado no crime de ameaça agravada. O ex-presidente do Sporting formulou ainda um pedido de indemnização cível por danos não patrimoniais no valor de dois mil euros.
O acusado, um arquiteto de 47 anos, residente em Ponta Delgada, nos Açores, pediu a abertura de instrução em que negou ter enviado a referida mensagem e disse desconhecer quem o fez. Contudo, o juiz de instrução apenas fez cair o crime de injúrias e, tendo indeferido algumas diligências de prova pedidas pela defesa, pronunciou o arguido pelo crime constante na acusação do MP, a ameaça agravada.
Agendado o julgamento no Juízo Local Criminal de Lisboa, o arquiteto voltou a contestar os factos e apresentou testemunhas. E foi no dia 14 de janeiro passado que se realizou o julgamento, com sentença ditada logo no mesmo dia. A sessão decorreu com a audição do arguido, das testemunhas e do perito. Após isto, a juíza interrompeu a audiência por 15 minutos e proferiu a sentença.
A acusação dizia que a ameaça de morte chegou ao Serviço de Sócio do Sporting através de um email ligado a um domínio de uma empresa açoriana onde a mulher do arguido trabalha. Nos dias 16 e 17 de abril de 2014, a mesma mensagem chegou por três vezes, com espaço de um minuto, ao clube de Alvalade.
O teor era este: "A nossa mensagem é apenas um sério aviso a esse senhor que está a ser uma imagem feia e vergonhosa ao desporto português. Façam o favor de enviar a nossa mensagem a esse Bruno que brevemente irá para dentro de um caixão no cemitério (...). Não estamos a brincar e os nossos objectivos estão a ser preparados para ser cumpridos." O texto, ainda longo, prosseguia com a ameaça de raptar a mulher de Bruno de Carvalho e depois o próprio dirigente leonino. Sempre em português deficiente, o autor ou autores do texto garantiam que falavam a sério. "Muitas coisas horríveis irão acontecer. Preparem-se que não estamos a brincar (...). Estão avisados."
Ficou dado como facto provado no julgamento que a mensagem "prognostica claramente o sequestro e o homicídio de Bruno de Carvalho e a sua mulher" e que foi criada com o objetivo de "criar medo e inquietação".
O acusado prestou declarações em tribunal e negou tudo. A conta de email em causa, disse, pertence à sua mulher tendo sido criada quando foi celebrado um contrato de fornecimento de internet com uma operadora. Garantiu nunca ter utilizado o email e não conhecer Bruno de Carvalho não tendo nada contra ou a seu favor pois não é sequer adepto de futebol. Por isso, desconhecia a razão de lhe serem imputados os factos já que a única coisa que o ligava era a referida conta de email.
Se o arguido não tinha uma explicação, a sua mulher, engenheira informática, foi importante, pelo testemunho "objetivo, de conteúdo técnico e imparcial", como refere a juíza na sentença. A testemunha explicou que a conta de email é sua e que nunca cedeu as credenciais ou passwords. Questionada sobre o envio das referidas mensagens, respondeu que, lê-se na sentença, "as mesmas não foram por si enviadas ou sequer pelo seu marido uma vez que não saíram da sua conta de email, esclarecendo que se trata de uma mensagem fabricada em site próprio para o efeito que terá associado o seu endereço de email à sua revelia".
Pormenorizou ainda que analisou os envios das mensagens em causa tendo verificado que foram remetidas por dois endereços de IP que nunca foram por si ou pelo marido utilizados, estando ambos domiciliados no continente, na zona da Grande Lisboa. A testemunha concluiu que houve fabricação com as mensagens a serem associadas ao seu endereço de email de forma abusiva o que pode ter sido feito remotamente, de forma ilícita.
O perito que fez um relatório para o tribunal teve a mesma conclusão. Fez mesmo simulações para demonstrar a facilidade em fabricar conteúdos de mensagens indicando moradas de email de terceiros sem o seu consentimento. Este relatório apontava para que este fosse o cenário mais provável no caso.
O teor deste relatório foi depois avaliado pelo inspetor da Polícia Judiciária que investigou o caso. Este referiu em tribunal que o relatório inicial efetuado pela PJ, e enviado ao MP, não tinha todos os elementos das operadoras, tendo na altura, frisou em tribunal, alertado para tal por considerar que eram elementos essenciais. Perante os novos dados apurados, sobretudo informação da PT, o inspetor admitiu que havia uma dúvida sustentada sobre a autoria da mensagem e do seu envio, tudo indicando que terá sido forjado o endereço de email do remetente.
Perante tudo isto, a juíza Raquel Sousa Lima concluiu: "Inexiste qualquer prova de que a elaboração das mensagens em apreço tenha sido da autoria do arguido", além de que "nenhuma relação foi possível estabelecer entre o arguido e o endereço de IP de onde foi inicialmente remetida aquela mensagem".
Como tal, o arguido foi absolvido do crime de ameaça agravada e do pedido de indemnização cível movido por Bruno de Carvalho, que não esteve presente no julgamento. E como o pedido foi rejeitado, Bruno de Carvalho foi condenado a pagar a 100% as custas judiciais nesta parte cível. Contactados os advogados, ninguém quis comentar. A defesa do acusado disse que o caso "está encerrado", enquanto do lado do advogado que representou Bruno de Carvalho nunca houve resposta.