Covid-19. Quando a quarentena é ficar com um agressor
Ficar em casa, fechado, e com o parceiro/ parceira, durante 15 dias, é um cenário que pode ir do paraíso ao inferno, dependendo das circunstâncias. Das pequenas irritações diárias, sobre como o outro/ a corta as unhas, ou aquele pigarrear irritante, às discussões, e à violência, numa situação excecional, podem ir poucos passo - sobretudo se houver antecedentes graves. E nesse caso, como é que alguém se tranca em casa, em isolamento, com alguém que já é abusivo, seja verbal seja fisicamente?
O risco é grande. Na China houve um aumento exponencial de casos quando foi decretada a quarentena, segundo algumas ONG ligadas ao tema - a China tem uma lei bastante restritiva em relação à violência doméstica desde 2016. Wan Fei, um polícia reformado que agora faz parte de uma rede de combate na cidade de Jingzhou, na província de Hubei, disse ao site de jornalismo de invetigação em temas chineses, Sixth Tone, que os relatórios de violência doméstica tinham duplicado desde a quarentena obrigatória.
Em fevereiro, houve 162 queixas nesse departamento, três vezes mais as habituais cerca de 40. Em janeiro já tinham duplicado. " A epidemia teve um impacto enorme", disse Wan. "90% das causas desta violência estão relacionadas com ela." A hashtag #antiviolênciadomésticanaepidemia #疫期反家暴# foi criada e espalhou-se nas redes sociais, criando uma onda de solidariedade.
Em Portugal ainda não há dados concretos, mas a secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade já lançou um alerta direto, para ser difundido pelos órgãos de comunicação social. A mensagem é esta "O isolamento das famílias é necessário para a contenção da COVID-19. Mas pode aumentar o risco de violência doméstica. Se precisar de ajuda, e não souber o que fazer, ligue 800 202 148."
Em França, Marlène Schiappa, a secretária de estado da igualdade de género, levantou também preocupação com os abrigos anónimos. Apesar de França estar em recolher obrigatório, os casos de violência doméstica continuam a ser tratados, e o número de assistência mantém-se operacional. Amandine Clavaud, conselheira política da Fundação Jean-Jaurès, em Paris, disse ao site de assuntos europeus, EURACTIV que há uma necessidade de vigilância redobrada, apelando ao maior policiamento. "Temos de estar muito atentos aos riscos para com mulheres e crianças, nestas crises, porque obviamente o trabalho das associações que as ajudam vai estar diminuído."
Nos EUA, onde a situação da infeção com o novo coronavírus está a tornar-se mais complexa, a Linha de Apoio às Vítimas de Violência doméstica alertou para o facto de que os abusadores muitas vezes capitalizarem nestas situações de fragilidade - e para ainda isolarem mais as suas vítimas, algo que é muito comum nestes casos. "O abuso depende do poder e do controlo. Quando as pessoas são forçadas a ficarem em casa, ou em grande proximidade com os seus abusadores, estes podem usar qualquer arma para exercerem o seu poder sobre as vítimas, nomeadamente a preocupação nacional com a Covid-19. Um abusador pode aproveitar-se da situação para ganhar mais controlo sobre a vida da vítima", diz o alerta.
Katie Ray-Jones, CEO da Linha de Apoio americana, disse ao jornal USA Today que há cada vez mais preocupação com " pessoas que estão a ser isoladas para além do necessário. Muitas das estratégias diárias para sobreviver a uma relação abusiva- o trabalho, a rede de amigos e sistemas de suporte - esvanecem-se".
Tenha à mão os números de apoio, memorize no telemóvel ou, se isso não for seguro, tente decorar:
• O 800 202 148, que a informará e lhe dirá o que fazer, alertando os apoios mais próximos de si. Na dúvida, ligue.
• O 116 006 linha da APAV
• O 144 linha de emergência social
• O 112 se sentir que a sua vida está em risco
• O 116 111 (SOS criança) que deve também ensinar às crianças
• Peça ajuda.