Covid-19: portugueses não querem sair à rua
Com uma experiência de um mês de confinamento diminuiu a noção do perigo sobre a covid-19. É esta uma das principais conclusões do Barómetro de Opinião Social Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa - de que o Diário de Notícias é parceiro.
Dos mais de 165 mil questionários feitos, há uma diminuição de cerca de 25% de pessoas que julga estar em "risco elevado" de contrair a doença. Na primeira semana eram 20,6%, agora são apenas 15,5%. E há uma variação de mais 21% no grupo das pessoas que consideram ter um "risco baixo": na primeira semana eram 33,4%, agora são 40,3%.
Esta nova atitude pode explicar-se por várias ordens de ideias: por um lado os portugueses estão a adaptar-se bem aos fatores relacionados com a doença, por outro, demonstram mais confiança nas medidas de proteção implementadas - e que estão, de facto, mostram os números a dar resultados.
Para Sónia Dias, a coordenadora científica do inquérito, "houve um grande esforço de todos para integrarem, nas suas rotinas diárias, novos comportamentos de proteção. Hoje em dia, com estas medidas mais rotinadas e com mais informação disponível sobre a Covid-19 e, as pessoas podem estar a sentir-se mais capazes e confiantes para gerir esta situação, percecionando um menor risco."
Há um outro fator interessante que resulta da análise deste Barómetro: apesar desta confiança, pode ser difícil levar os portugueses a regressar a uma vida normal. Isto porque os consultados neste inquérito não demonstram grande interesse em sair de casa e há, entre a primeira e a quarta semana uma redução de cerca de 20% entre os que saem de casa "todos os dias".
Os que saem de casa todos os dias ou quase diminuíram de 20,7% para 18,8% - e são sobretudo os homens, 11,4% dos homens, comparando com 6,3% das mulheres. E não são nem os mais jovens, apenas 4,3%, nem os idosos, ao contrário do que poderia parecer-nos a olho nu: apenas 6,9% dos idosos dizem sair de casa "todos os dias".
Isto agrava-se porque, apesar de continuarem a manifestar bastante ansiedade com o confinamento a que estão sujeitas, a maior parte das pessoas está consciente da dificuldade do regresso à vida normal.
Questionadas sobre quando é que a sua vida vai voltar à normalidade, na primeira semana cerca de 40% dizia que isso devia acontecer ao fim de 2 meses. Mas, um mês depois, a maior parte continua a dar a mesma resposta - o que arrasta por mais 30 dias o resultado. Cerca de 20% dos que responderam ao inquérito continua a não ter ideia de quando a sua vida voltará à normalidade, e 24,5% acha que vai levar mais de três meses.
Esta incerteza tem de ser acompanhada de grande clareza nas informações transmitidas, sobretudo nas novas medidas que estejam para ser implementadas com o fim do estado de emergência e o fim gradual do confinamento.
"É fundamental continuar a acompanhar como as pessoas vivem, pensam e sentem esta nova realidade", defende Sónia Dias. "Ainda mais quando se prevê, num futuro próximo, novas medidas que vão influenciar significativamente as nossas vidas", conclui a investigadora.
Por enquanto, a confiança nas atuais medidas de distanciamento social está alta: "mesmo entre as pessoas que consideram atualmente ter um "risco elevado" de contrair COVID-19, a grande maioria está "confiante" ou "muito confiante" na capacidade de resposta do governo (83,9%) e na dos serviços de saúde (81,4%) à pandemia provocada pela COVID-19", explica a investigadora. E, aqui, há uma mudança: no início da pandemia, 7,5% das pessoas estava "muito confiante", mas esta proporção aumentou para mais do dobro, com 16,2%.
No princípio cerca de um terço, 30,6%, dizia estar "pouco confiante" na capacidade de resposta do governo, hoje essa percentagem diminuiu para apenas 14,3%. Aqueles que consideravam que as medidas decretadas eram "pouco ou nada adequadas" diminuiu diminuiu para sensivelmente um terço entre a primeira e última semanas analisadas, veio de 25,2% para 9,8%.
Provavelmente a eficácia das medidas, e a comparação com as situações de outros países que não as tomaram devem ter convencido a população. Até porque são os mais letrados e com maior nível de escolaridade que demonstram maior confiança. Para Sónia Dias, isto pode significar que "a generalidade das pessoas sabe mais sobre como prevenir e conter a transmissão da COVID-19 e, por consequência, compreendem melhor a adequação das medidas adotadas."
E não são só os políticos a granjear a confiança da população. A confiança na capacidade de resposta dos serviços de saúde também tem aumentado, "com a proporção de pessoas que refere estar "muito confiante" ter quase duplicado, de 9,4% na primeira semana para 17% na última semana. No mesmo sentido, a percentagem de pessoas que referem atualmente estar "pouco ou nada confiantes" diminuiu para metade, de 36,4% para 18,7%", diz o estudo.
Apesar da habituação à situação e da confiança, a frequência com que as pessoas dizem sentir-se "agitadas, ansiosas, em baixo ou tristes" mantém-se constante sempre com cerca de 80% a revelar sentir-se desta forma. 9% dizem mesmo senti-lo diariamente.
"Esta ansiedade pode estar mais ligada a aspetos de caráter individual e de gestão da vida quotidiana em casa, resultantes das medidas de confinamento, do que propriamente com os aspetos relacionados com a doença em si ou com a resposta das entidades de saúde. Pelo que importa fazer chegar às pessoas estratégias concretas para gerirem melhor a sua vida laboral em simultâneo com a vida familiar, por exemplo", adverte Sónia Dias.
* Nota sobre o Barómetro Covid-19
Projeto de investigação da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NT) com equipa multidisciplinar de investigadores, médicos de saúde pública, epidemiologistas, estatísticos, economistas, sociólogos e psicólogos. Semanalmente são apresentados no Diário de Notícias dados efetivos e análises científicas sobre a pandemia, com o objetivo de contribuir ativamente para a sua compreensão, assegurar uma ferramenta de apoio à tomada de decisão e gerar conhecimento.
Autores: Sónia Dias (coordenação científica), Ana Rita Pedro (coordenação executiva), Ana Gama; Ana Marta Moniz, Beatriz Lourenço, Carla Nunes, Cláudia Parreira, Fernando de Avelar, Patrícia Soares, Pedro Laires e Rui Santana. www.ensp.unl.pt