Caso de cabo-verdiano Luís Giovani chegou às autoridades de Bragança como alcoolizado caído na rua
O caso do estudante cabo-verdiano que morreu no dia 31 de dezembro chegou às autoridades de Bragança como um possível alcoolizado caído na rua sem menção a agressões ou ferimentos, contou esta segunda-feira à Lusa fonte dos bombeiros locais.
Só depois de chegar ao local e avaliar a vítima - o jovem Luís Giovani Rodrigues de 21 anos - é que a equipa de emergência descobriu um ferimento na cabeça e "verificou que se tratava de um possível traumatismo craniano", indicou o segundo comandante dos bombeiros de Bragança, Carlos Martins.
De acordo com o responsável, a possibilidade de o ferimento ter resultado de agressão foi levantada já depois de a vítima ter sido conduzida ao hospital de Bragança e transferida para outra unidade hospitalar, no Porto, onde morreu na madrugada de 31 de dezembro.
Os bombeiros foram acionados pelo CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes), via 112, e a primeira entidade a chegar ao local da ocorrência foi a PSP de Bragança, com quem a Lusa tentou falar, sem sucesso até ao momento.
Os bombeiros desconhecem quem fez a chamada e se o jovem cabo-verdiano estava sozinho quando foi encontrado caído, confirmando apenas que foi a única vítima que avaliaram e transportaram para o hospital.
O alerta chegou aos bombeiros por volta das 04:00 do dia 21 de dezembro como "intoxicação", a classificação técnica da emergência médica para casos que podem envolver várias situações, nomeadamente substâncias que vão de venenos a estupefacientes ou álcool.
O jovem estava caído na Avenida Sá Carneiro, junto a uma loja (a W52), mais de meio quilómetro e alguns minutos a pé do bar Lagoa Azul, onde terá estado com um grupo de amigos e onde terá começado uma desavença apontada como a origem da agressão.
O caso está a ser investigado pela Polícia Judiciária que ainda não revelou se há suspeitos, mas que aponta para "um motivo fútil" na origem do caso que levou à morte do jovem, segundo avança hoje o jornal Público.
O diário indica também que "a autópsia foi inconclusiva, não esclarecendo se a morte foi provocada pela agressão ou pela queda" na rua, onde o jovem foi encontrado inanimado.
O Público refere ainda que a PJ terá também afastado a tese de ódio racial associada à morte do estudante cabo-verdiano, nomeadamente nas redes sociais.
O caso foi noticiado pelo Jornal de Notícias, a 1 de janeiro, que dava conta da morte do jovem causada por "ferimentos considerados graves que resultaram de agressões durante uma escaramuça que envolveu várias pessoas".
No sábado, o bar Lagoa Azul publicou nas redes sociais um esclarecimento a confirmar que na madrugada do dia 21 de dezembro, "por razões desconhecidas, dois clientes envolveram-se em confrontos no bar".
"Nenhum dos envolvidos neste confronto era o Luís Giovani Rodrigues", refere, lamentando a morte do jovem. Soube-se mais tarde que um dos envolvidos fazia parte do grupo com quem o estudante cabo-verdiano tinha saído.
Um primo da vítima contou ao jornal "Contacto" que a desavença terá começado por um dos amigos de Luís Giovani ter tocado numa rapariga e o namorado não ter gostado.
Segundo o mesmo, quando o grupo de Giovani saiu do bar era aguardado por vários elementos "com cintos, paus e ferros" que terão agredido o elemento envolvido na desavença com a rapariga.
O mesmo relato indica que Giovani terá intervindo para parar a contenda e foi atingido com "uma paulada na cabeça", o que terá feito o grupo dispersar.
Por esclarecer continua o que aconteceu entre o bar e o local onde o jovem foi encontrado inanimado na rua.
O segundo comandando dos bombeiros de Bragança indicou à Lusa que a corporação acode "muitas vezes" a chamadas de socorro para casos de "intoxicação", sobretudo aos fins de semana.
Carlos Martins afirmou que para casos de agressões "não há muitos alertas", mas ressalva que as estatísticas podem não revelar a realidade.
No último fim de semana houve um caso de agressão da noite com uma vítima de 30 anos agredida à facada, que não corre perigo de vida.
Poderá haver outros casos, como admitiu, mas em que as vítimas "não dizem que é agressão porque ao entrar na urgência (do hospital) têm de pagar logo 200 euros".
A lei obriga a este procedimento nestes casos, cabendo depois aos tribunais decidir quem vai pagar as despesas e ressarcir a vítima, se for caso disso. "Para evitar pagar os 200 euros e envolver as autoridades, chegam lá e dizem que foi uma queda", sustentou.
"Esperemos que a Justiça se faça. Nós confiamos na justiça portuguesa, a investigação está em curso, temos que aguardar agora os resultados", disse o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, questionado pela Lusa à margem de um ato oficial na Assembleia Nacional, na cidade da Praia.
O primeiro-ministro cabo-verdiano assegurou que este caso, que tem gerado uma onda de contestação em Cabo Verde, "não belisca" as relações entre os dois países.
"As relações Cabo Verde - Portugal são fortes, estruturantes e em desenvolvimento (...) É algo que não fica beliscado por situações que são lamentáveis, mas que acontecem", assegurou Ulisses Correia e Silva.
Para o primeiro-ministro de Cabo Verde, o próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal assumiu "um posicionamento muito claro relativamente a esta matéria". "Acho que não há dúvidas", enfatizou.
O Governo português lamentou no domingo a "barbara agressão" que resultou na morte de um estudante cabo-verdiano em Bragança, deixando garantias de que os responsáveis serão identificados e levados à justiça.
"Os cabo-verdianos são nossos irmãos e muito bem-vindos em Portugal", acrescenta-se na nota.
O ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades de Cabo Verde, Luís Filipe Tavares, pediu no domingo "celeridade" no "esclarecimento cabal" pelas autoridades portuguesas da "trágica" morte do estudante e o Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, adiantou também estar a acompanhar, através da Embaixada em Lisboa, os contornos da "morte brutal" do estudante.
O embaixador de Cabo Verde em Portugal, Eurico Monteiro, tinha igualmente pedido a "clarificação cabal" das circunstâncias da morte do jovem.
Segundo o comunicado da Embaixada de Cabo Verde, o caso envolvendo o jovem estudante cabo-verdiano "foi encaminhado à Polícia Judiciária para o competente tratamento" e foi ordenada também a realização da autópsia "para se conhecer com precisão a causa da morte".
Luís Giovani era natural da ilha cabo-verdiana do Fogo, tendo o município de Mosteiros publicado uma nota sobre a sua morte, recordando que tinha viajado em outubro para Bragança, "para seguir o curso de Design de Jogos Digitais" no IPB.
"Giovani era um dos mais promissores artistas de Mosteiros, tendo-se destacado na banda Beatz Boys, um grupo integrado por jovens formados pela paróquia de Nossa Senhora da Ajuda e artistas oriundos do agrupamento De Martins", lê-se na mesma mensagem da Câmara Municipal de Mosteiros.
Os estudantes cabo-verdianos que convocaram marchas para homenagear o jovem Luís Giovani estão "indignados" e exigem ao Governo uma posição.
"Nós queremos respeito. Estamos indignados com a forma como têm tratado este assunto e queremos, o mais rápido possível, que a justiça e o Governo se posicionem perante esta situação", afirmou um dos responsáveis pela iniciativa, Luís Júnior Lima, natural de Cabo Verde e estudante no Instituto Universitário da Maia (ISMAI).
Várias marchas de homenagem ao estudante de 21 anos que morreu a 31 de dezembro foram convocadas para sábado, dia 11 de janeiro, nas redes sociais, por estudantes cabo-verdianos em Portugal.
Em declarações à Lusa, Luís Júnior Lima adiantou que as marchas, que se realizam no sábado, 11 de janeiro, às 15:00 no Terreiro do Paço (Lisboa), na Avenida dos Aliados (Porto), na Avenida da República (Coimbra), na Rotunda do Rato (Covilhã) e na Sé da Guarda, são o reflexo da "indignação face à forma como o caso tem sido tratado".
"Passaram-se vários dias e não gostámos nada da forma como o Governo, a justiça e os meios de comunicação trataram do caso. Estamos indignados com a forma como têm tratado tudo isto. Queremos justiça", disse o jovem cabo-verdiano, que está há um ano a estudar Gestão de Empresas em Portugal.
Segundo Luís Júnior Lima, no sábado estão também previstas marchas de homenagem nas ilhas cabo-verdianas de Santiago, do Maio e do Fogo, em França, nos Estados Unidos da América e no Luxemburgo.
Já em Bragança, a marcha de homenagem sairá do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) com trajeto pela Praça da Sé até à Catedral, onde será celebrada missa pelo bispo de Bragança-Miranda, José Cordeiro.
À Lusa, o presidente do instituto adiantou que toda a direção do IPB estará presente e que o próprio só não estará se a data coincidir com o funeral do jovem em Cabo Verde, onde pretende deslocar-se para acompanhar as cerimónias.
O corpo do estudante cabo-verdiano, de 21 anos, ainda está em Portugal à espera de ser trasladado, o que deverá acontecer até ao final da semana.
[notícia atualizada às 19.25]