País
20 maio 2019 às 18h08

Campo Pequeno. Touradas continuam e Medina "não mediu as consequências" da carta à Casa Pia

Administradora de insolvência diz que Fernando Medina devia ter sido "mais cuidadoso" ao enviar uma carta à Casa Pia a dizer que não era obrigatório haver touradas na praça. Época terá 12 corridas.

Carlos Ferro

Cinco dias depois de ter sido conhecida a carta que Fernando Medina enviou à Casa Pia de Lisboa frisando que cabia a esta entidade decidir se autorizava ou não espetáculos tauromáquicos na praça lisboeta e três dias após os responsáveis da Casa Pia responderem ao DN que afinal quem tem esse poder é a Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno fica esclarecida a dúvida: é à SRUCP, concessionária do espaço até 2096, que cabe essa decisão e a temporada 2019 está definida e em andamento. Serão 12 eventos no total, com o próximo agendado para 6 de junho - homenagem a Joaquim Bastinhas - e o último marcado para 10 de outubro - Corrida de Gala à Antiga Portuguesa.

Após esta data, provavelmente, já não será a atual administradora de insolvência da Sociedade a decidir o que acontecerá na praça em 2020 pois está a decorrer o processo de venda da SRUCP, como explicou ao DN Paula Mattamouros Resende. Neste momento as propostas de eventuais interessados em explorar as valências do recinto estão a ser analisadas - a avaliação feita no âmbito da insolvência foi de 41 milhões de euros - sendo expectável que até ao final do ano a propriedade da Praça mude de mão.

Se tal acontecer será a nova administração a delinear o que vai acontecer no recinto e se os espetáculos tauromáquicos se vão manter.

Enquanto não há decisões fica o desagrado quanto ao teor da carta enviada por Fernando Medina à Casa Pia. "Deveria ter sido mais cuidadoso e ter ouvido as associações que convergem sobre este tema e inclusivamente a Câmara Municipal de Lisboa", critica a administradora da Sociedade.

"Não ficámos satisfeitos"

Certo é que o documento de Fernando Medina à Casa Pia não tem qualquer interferência neste processo. "A carta não tem efeitos diretos sobre a Sociedade, mas não ficámos satisfeitos", frisa ao DN Paula Resende. A responsável considera que esta "está ferida de vício de forma, pois não foi precedida de quaisquer formalidades, nomeadamente, sem medir as consequências do ato, o Sr. Presidente da Câmara deveria ter sido mais cuidadoso e ter ouvido as associações que convergem sobre este tema e inclusivamente a Câmara Municipal de Lisboa", adianta.

Referindo uma troca de correspondência com a Casa Pia onde esta deixa cair uma obrigação antiga de serem realizadas 20 touradas por temporada - há algum tempo que já só tinham lugar 12 -, passando apenas a haver o compromisso de agendas corridas, Paula Resende acrescenta que se manteve nesse compromisso com a entidade a quem a rainha D. Maria II concedeu em agosto de 1837 o exclusivo das touradas pagas na capital a obrigação de manter na Praça de Touros o Museu da Tauromaquia.

"Para a Sociedade está tudo igual ao que existia antes da carta do presidente da câmara [à Casa Pia]. Para mim não não vale nada, continuo a reger-me pela carta da Casa Pia a referir que temos de fazer corridas, sem estipular um número. A carta é política", acrescenta a administradora de insolvência.

A questão da obrigatoriedade de realizar touradas na Praça de Touros do Campo Pequeno foi levantada em março na assembleia municipal Lisboa pelo PAN - foi a segunda vez que o fez pois no ano passado a mesma recomendação tinha sido chumbada. Com esta ação o partido Pessoas-Animais-Natureza quis saber os contornos do compromisso assumido pela autarquia em 1997 no acordo de Constituição do Direito de Superfície à SRUCP do espaço.

A resposta de Fernando Medina foi a divulgação de uma carta que tinha enviado em março à presidente da Casa Pia de Lisboa, Cristina Fangueiro, onde explicava que a instituição "tem a mais ampla liberdade na decisão quanto à atividade a realizar no recinto em causa, sendo certo que a realização de espetáculos tauromáquicos nunca será para o Município de Lisboa condição de manutenção da concessão".

Perante este anúncio o DN questionou a Casa Pia no sentido de saber o que iria fazer. A resposta surgiu na passada sexta-feira: "[...] "Neste contexto, a Casa Pia de Lisboa não pode, unilateralmente, alterar o contrato de concessão outorgado por escritura lavrada em 1998, o qual apenas pode ser alterado por acordo entre as partes e nos termos legalmente previstos. Acresce que está em curso o processo de alienação da sociedade insolvente, onde se inclui o contrato de concessão, pelo que o mesmo não pode ser objeto de modificações nesta fase."

Em jeito de conclusão: é à Sociedade de Reabilitação Urbana do Campo Pequeno que cabe gerir o espaço (desde 1991 ou seja as obras de requalificação entre 2001 e 2006 foram da sua responsabilidade), por isso paga renda à Casa Pia, e não vai alterar o que já está programado.

Como a expectativa da administradora de insolvência é que a venda da sociedade seja consumada até ao final do ano deverá ser os novos responsáveis do espaço a decidir se mantém as touradas, sendo certo que o atual contrato com a Casa Pia refere que devem ser feitas "corridas", mas sem definir quantas.