Antigos funcionários do Aeroporto de Lisboa julgados por furto de objetos de malas
Vinte e três funcionários da empresa Groundforce, que trabalhavam no Aeroporto de Lisboa até 2016, vão ser julgados por furto de centenas de objetos que passageiros transportavam nas bagagens, para posterior venda na internet e a terceiros.
O Ministério Público (MP) deduziu, inicialmente, acusação contra 25 arguidos, alguns dos quais requereram a abertura de instrução, mas o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu levar a julgamento 24 dos arguidos nos termos da acusação do Ministério Público: 23 operadores de (handling) assistência em escala ao transporte aéreo e a companheira de um dos arguidos.
"Desde data não concretamente apurada até ao ano de 2016, os arguidos decidiram apoderar-se de bens que os passageiros transportavam nas bagagens, aquando do seu manuseamento, visando essencialmente artigos informáticos, computadores portáteis, ipods, ipads, telemóveis, artigos em ouro ou de bijuteria, vestuário, relógios, perfumes e outros bens de considerável valor, de fácil apropriação, ocultação e venda", refere a acusação do MP, a que a agência Lusa teve acesso.
Por inerência das suas funções, os arguidos "tinham acesso às bagagens dos passageiros" quando carregavam ou descarregavam as aeronaves, "conhecimento privilegiado dos locais" com sistema de videovigilância instalado nas placas ou nos terminais, e entrada, "sem quaisquer restrições, nas áreas de acesso restrito ou condicionado a funcionários do Aeroporto de Lisboa".
Estes funcionários "utilizavam três métodos" para cometerem os furtos, consoante o local em que se encontravam: se se encontravam a transportar as bagagens dos passageiros para o porão dos aviões, se estavam a encaminhar as bagagens para os tapetes nos terminais de bagagem Partidas/Chegadas, ou quando as transportavam durante o percurso feito nos trolleys (carros com contentores que transportam as bagagens) entre as aeronaves e os terminais, e vice-versa.
"Além disso, os arguidos escolhiam, preferencialmente, as aeronaves de longo curso que efetuavam escalas em Lisboa, para impedir que se apurasse em que aeroporto a subtração de bens e valores tinha ocorrido e, consequentemente, os seus autores. Ou então visavam as aeronaves cujos voos iniciavam o seu percurso no Aeroporto de Lisboa com destino a outros países, uma vez que os passageiros apenas verificariam as suas bagagens aquando da sua chegada ao destino", descreve a acusação.
Quando realizavam o carregamento das bagagens para as aeronaves, "propositadamente, os arguidos amontoavam algumas bagagens logo à entrada do acesso ao porão, formando uma barreira, de molde a impossibilitar a visão do que se passava no seu interior", e, de seguida, "imobilizavam o tapete rolante que transportava as bagagens para o interior do porão e aí permaneciam, com as malas à sua disposição". "Era nesse momento que os arguidos procediam, de modo não concretamente apurado, à violação dos cadeados das bagagens e subtraíam do seu interior os bens de valor que aí encontrassem, apoderando-se dos mesmos, até ser dada ordem para encerrar a porta do porão da aeronave", segundo o MP.
Noutras ocasiões, os arguidos recolhiam do porão das aeronaves as bagagens dos passageiros, colocavam-nas nos trolleys/contentores e encaminhavam-nas para os terminais de bagagem para aí as colocarem no respetivo tapete do voo até chegar à posse dos donos.
"Todavia, antes de procederem à descarga e colocação das bagagens do aludido tapete, os arguidos estacionavam os contentores, no sentido oposto às câmaras do sistema de videovigilância, para evitar que fosse percetível a sua atuação e, de modo não concretamente apurado, abriam as bagagens dos passageiros e retiravam do seu interior bens de valor e facilmente transacionáveis", explica a acusação, indicando um total de 28 situações de furto.
Ainda noutras ocasiões, durante o percurso de transporte das bagagens para o terminal, estes funcionários "simulavam a queda de malas na plataforma para, posteriormente, a pretexto de as estarem a acondicionar", partiam os cadeados e apoderavam-se dos bens.
Na posse dos bens furtados, "dissimulados em mochilas ou no vestuário que traziam", os arguidos "retiravam-nos das instalações do aeroporto ou colocavam-nos nos cacifos pessoais" ou em cacifos que não estavam atribuídos a nenhum funcionário, onde ficavam guardados até que os arguidos encontrassem uma oportunidade para os retirarem do local.
O MP conta que os bens furtados eram depois postos à venda pelos arguidos em diversas páginas da internet, ou, então, eram vendidos e trocados entre si, "consoante as necessidades ou a procura desses bens por terceiros que os pretendiam adquirir".
Estes funcionários comunicavam entre si, telefonicamente ou através dos rádios que lhes estavam adstritos, para alertar para a presença de elementos da PSP do Aeroporto de Lisboa que se encontrassem a efetuar fiscalizações, "utilizando códigos de conversação próprios, apelidando tais agentes da autoridade como 'primos e tios'".
O julgamento estava previsto iniciar-se na terça-feira, 22 de outubro, mas foi adiado para março de 2020 devido à indisponibilidade de salas do Campus da Justiça e no Tribunal de Monsanto, ambos em Lisboa.
A informação consta de um despacho do presidente do coletivo de juízes, Francisco Coimbra, a que a agência Lusa teve acesso, que dá "sem efeito" a sessão de 22 de outubro para início do julgamento de 23 funcionários da empresa Groundforce do Aeroporto de Lisboa, acusados do furto de centenas de objetos que passageiros transportavam nas bagagens.
O juiz presidente explica que, dado o elevado número de arguidos e de advogados, "não se mostra viável a realização da audiência de julgamento na sala habitualmente utilizada por este tribunal coletivo" nem "se encontra disponível, antes do próximo mês de março, qualquer outra sala existente neste tribunal (ou no Tribunal de Monsanto) com a necessária capacidade para albergar todos os intervenientes processuais".
A presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa disse desconhecer "o adiamento do início do julgamento" até ser contactada pela Lusa, acrescentando que não lhe foi "comunicada a necessidade de qualquer sala de audiências, de maior capacidade ou de grandes dimensões", para a realização deste julgamento.
A Lusa questionou também a juíza desembargadora Amélia Catarino Correia de Almeida sobre se considera que atualmente o Campus da Justiça e o Tribunal de Monsanto são suficientes e dão resposta às necessidades face ao número de julgamentos, e se entende que esta é uma situação circunstancial ou um problema estrutural que é preciso resolver. "Quanto às restantes questões, informo que são cada vez mais os processos de especial complexidade e de grandes dimensões distribuídos para julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, alguns com elevado número de intervenientes, e a demandar julgamento em salas de grandes dimensões. Até à presente data, e sempre que me foi comunicada uma necessidade de sala especial, foi sempre encontrada solução", frisa a presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, na resposta escrita.
O Ministério da Justiça (MJ) explicou, também em resposta escrita enviada à Lusa, que "são as próprias comarcas que fazem a gestão do uso das salas", dando conta de que "na sequência da transferência do TCIC [Tribunal Central de Instrução Criminal] para outro local ficou disponível um espaço no Campus de Justiça de Lisboa". Nessa sequência, o MJ diz que "foi desenvolvido pelo IGFEJ [Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça] o projeto de instalação de uma sala de audiências de grande dimensão, para elevado número de arguidos e advogados".