É urgente o amor, mas essa urgência também se estende à leitura

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Um estudo da OCDE divulgado recentemente refere que 46% dos adultos portugueses entre os 25 e os 64 anos têm muita dificuldade na compreensão leitora e só conseguem interpretar textos curtos e com poucas informações. Portanto, com estas competências será difícil para uma percentagem significativa dos nossos cidadãos conseguir avaliar a credibilidade de fontes da internet, fazer comparação de dados ou uma reflexão crítica sobre uma determinada ideia, etc. Assim sendo, está aberto o caminho para a manipulação informativa: basta escrever frases curtas e com pouca informação. Tendo em conta que a leitura tem um papel fundamental na ampliação de vocabulário (e, consequentemente no raciocínio), no desenvolvimento da empatia e no conhecimento do outro, a leitura é um instrumento de cidadania.

Brevemente começa mais um novo ano letivo. E mais uma vez a leitura vai ser uma das dimensões fundamentais, quer como objeto de aprendizagem, quer como instrumento de aprendizagem, sendo que, no contexto deste estudo, cada uma destas dimensões deveria ser fator de profunda reflexão da escola e da sociedade.

Aprender a ler e a escrever é uma corrida de obstáculos para muitas crianças. Nas escolas o enfoque pedagógico acaba por estar demasiado centrado nos métodos (ou nas atividades propostas pelos manuais) e menos nas dificuldades que as crianças enfrentam para compreender a lógica da escrita alfabética e as suas especificidades ortográficas. Não estou a defender a retenção das crianças no primeiro ano, mas, sim, a necessidade dos docentes compreenderem os processos de aprendizagem da leitura e escrita, e as dificuldades inerentes ao aprender a ler para, a partir daí, se definirem as atividades pedagógicas. A didática e as propostas de atividades deveriam ser sustentadas por essa compreensão e não tanto na tradição de uma determinada linha de ação pedagógica. A responsabilidade desta relativa lacuna não pode ser desligada da formação inicial e formação contínua que é proporcionada aos professores.

Após dominar a leitura esta deverá usada como instrumento de aprendizagem, de prazer e de reflexão crítica (para se avaliar, por exemplo a fidedignidade das fontes que aparecem na internet.) Também a este nível será importante avaliar e escutar os jovens alunos para se apreender o que dificulta a compreensão dos textos (o vocabulário, a ligação entre as frases, a necessidade de proceder a inferências), etc., para se definirem as atividades a realizar na sala de aula que vão encontro das suas dificuldades.

Parece que o Plano Nacional de Leitura vai ser extinto, ou pelo menos, as suas competências vão ser integradas em outro organismo educativo. As suas iniciativas traziam visibilidade à necessidade de pais e professores investirem na leitura como um prazer e criavam projetos onde a leitura era valorizada. Num país em que 23% dos jovens do 9.º ano (segundo dados do (PISA)) são analfabetos funcionais ou só são capazes de fazer interpretações do texto literais e muito simples. Em que muitas vezes a escola ensina literatura na lógica da memorização (não se caminha do prazer e da partilha do entusiasmo pela literatura para o registo mais analítico). Em que muitos jovens não gostam de ler, ao ponto de uma percentagem significativa não se ter dado ao trabalho de ir levantar o cheque/livro (dados de abril). E não vamos com iniciativas pontuais onde se discute a leitura e a sua importância - estou a lembrar-me recentemente do book 2.0. - cujos efeitos de generalização das discussões é relativamente reduzido e com pouco efeito além da audiência do auditório.

Escritora e Professora do Ispa – Instituto Universitário

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