Voluntariado, da margem até ao centro da coesão social

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Celebramos hoje o Dia Internacional do Voluntário, com a consciência de que este não é, nem nunca foi, apenas um gesto altruísta. O voluntariado ganhou, em novembro deste ano, um novo lugar na arquitetura social contemporânea depois de ter sido assumido na Segunda Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Social, uma reunião global promovida pelas Nações Unidas em Doha, como peça central no desenvolvimento das comunidades e na coesão social. Este reconhecimento internacional veio confirmar aquilo que já vínhamos a sentir no terreno: o voluntariado deixou de viver nas margens e passou a ocupar um espaço estrutural no futuro das sociedades, um caminho que ganhará novo impulso com o Ano Internacional do Voluntariado, em 2026.

Os dados públicos mais completos remontam a 2018, o que deixa por preencher parte da evolução recente do fenómeno, mas de acordo com o INE, cerca de 7,8% da população portuguesa com 15 ou mais anos participou em atividades de voluntariado nesse ano. Continuamos aquém de vários países do velho continente, mas estes números revelam uma tendência de crescimento estável. Ao nível europeu, a participação cívica e o voluntariado têm vindo a ganhar centralidade nas agendas públicas, reforçando a ideia de que não estamos perante um gesto assistencialista ocasional, mas sim perante uma força social estruturante.

Em paralelo, o voluntariado corporativo afirmou-se como dimensão incontornável e enquanto processo de transformação mútua, onde o voluntário dá, mas também recebe e evolui psicologicamente, comportamentalmente e ao nível das suas convicções. A neurociência comportamental confirma esta dinâmica, mostrando como a exposição a experiências e contextos fora da habitual “zona de conforto” gera novas aprendizagens, desafia preconceitos e aprofunda a empatia. As empresas reconhecem hoje este potencial e o voluntariado deixou de ser um adorno reputacional, passando a integrar estratégias de talento, impacto social e desenvolvimento humano, reforçando equipas mais empáticas, colaborativas e alinhadas com a sua missão. Contudo, apesar da evidência, o voluntariado corporativo continua sem um reconhecimento formal nas estatísticas nacionais, o que deixa invisível uma parte significativa do impacto social produzido anualmente no país.

Por isso, torna-se urgente criar um Observatório do Voluntariado Corporativo, que permita recolher dados consistentes, mapear práticas, compreender motivações, medir competências desenvolvidas e monitorizar tendências. É este conhecimento que permitirá dar o salto que falta na construção de políticas públicas capazes de integrar o voluntariado de forma plena e estratégica. A concretização deste potencial exige colaboração entre sectores: Estado, autarquias e empresas têm de trabalhar de forma articulada, integrando o voluntariado nas suas estratégias e criando plataformas de cooperação que unam políticas públicas, sociedade civil e iniciativa privada numa agenda comum. Só assim consolidaremos o voluntariado como agente de coesão social, tal como a ONU reconhece na Declaração Política de Doha.

Finalmente, importa recordar que o voluntariado e o impacto social são talvez os palcos mais naturais para a efetivação do ODS 17 (Parcerias para os Objetivos). Aqui, a concorrência dilui-se e a colaboração emerge. Num mundo fragmentado, o voluntariado continua a ser um dos poucos espaços onde conseguimos praticar, e não apenas imaginar, o verdadeiro sentido de bem comum.

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Um voluntariado mais ambicioso – um desafio ao próximo governo
Diário de Notícias
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