Portugal vai estar no Mundial 2026. Foi preciso, no entanto, esperar pela última jornada da qualificação, num apuramento que tinha tantas portas abertas que era quase impossível não entrar por nenhuma delas – para mais, numa prova que vai contar, pela primeira vez, com 48 participantes, um recorde. O grupo era acessível, sem adversários de primeira linha do futebol europeu (Irlanda, Hungria e Arménia), e o primeiro lugar, que dava qualificação direta, era o caminho natural. O acesso podia ainda acontecer via play-off, com duas hipóteses – ou através do 2.º lugar do grupo ou através da prestação na Liga das Nações, competição ganha por Portugal em junho (ou seja, a seleção até podia terminar a qualificação com zero pontos e ter a possibilidade de disputar o play-off graças ao troféu conquistado frente a Espanha).Domingo, após a histórica goleada à Arménia, no Dragão, que carimbou o passaporte para o torneio a disputar nos Estados Unidos, Canadá e México, o Presidente da República vestiu o fato de comentador desportivo e fez uma espécie de premonição sobre o desempenho no Mundial (tal como Fernando Santos fizera no Europeu 2016). “Na América, vai dar Portugal. Isto quer dizer que vai ganhar Portugal”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, lançando, intencionalmente ou não, aquele que pode tornar-se um slogan para o Mundial. De um Presidente não se esperava outra coisa que não uma mensagem de otimismo, mas para o palpite bater certo Portugal precisa de resolver, de vez, o seu aparente problema de bipolaridade. Que seleção vamos ter, afinal, no Mundial? A equipa prostrada que se viu na derrota na Irlanda ou a empenhada em decidir rápido e bem que goleou a Arménia? A equipa que tremeu e deixou escapar o apuramento, em casa e nos descontos, frente à Hungria ou a que recuperou de desvantagens frente às poderosas Alemanha e Espanha para conquistar a Liga das Nações? E que capitão vamos ter? Um Cristiano Ronaldo líder e que, aos 40 anos, dá o exemplo com cinco golos em cinco jogos da qualificação ou o capitão que, mesmo com tanta experiência acumulada, ainda perde a cabeça e é expulso frente à Irlanda por agressão a um adversário, prejudicando a equipa? E quanto ao selecionador? Terá Roberto Martínez a coragem de gerir a equipa em função dos momentos de forma dos jogadores e não dos egos? Promover, entre outras coisas, uma rotação mais eficaz entre Ronaldo e Gonçalo Ramos no ataque ou ordenando que os lances de bola parada não sejam um exclusivo de CR7 quando a seleção conta com outros bons batedores como Bruno Fernandes, Rúben Neves ou, como agora se viu no Dragão, João Neves?São muitos 'ses' que precisam de ser resolvidos até ao Mundial. Há talento e experiência de sobra para poder acreditar que Marcelo pode vir a ter razão. Mas, para dar Portugal na América, nos próximos meses a prioridade tem de ser trabalhar num foco competitivo, persistente e ambicioso, que tanta diferença faz quando chega o momento da verdade e que, às vezes, parece fugir-lhe entre os dedos sem que se consiga perceber porquê.Editor Executivo do Diário de Notícias