Opinião
08 fevereiro 2021 às 13h37

Uma viagem aos extremos do hipocampo

Manuel Portugal Lage

Porque a memória tende a trair-nos à medida que os anos vão passando, proponho uma curta viagem sob a sua orientação.

A última Grande Guerra Mundial assinalou o início da renovação política europeia. A partir daí os Estados Democráticos empenharam-se com afinco para manter a estabilidade no pós-guerra, sendo que grande parte dessa missão se fez com recurso ao apaziguamento das ideologias mais extremistas.

Os extremismos, quer sejam de esquerda ou direita, marcaram a história contemporânea da Europa. E continuando amparado pelos trilhos da memória, os feitos da extrema-direita e extrema-esquerda europeias, sobretudo no Séc. XX, não se desvaneceram. O sofrimento causado, os milhões de vidas reclamadas, fosse do outro lado da Cortina de Ferro, onde "uma morte era uma tragédia, um milhão uma estatística", ou a partir do centro do Reich que governaria por mil anos, as visões mais afuniladas não trouxeram nada de bom ou estruturante.

O impacto desses modelos governativos autocráticos causou tal aversão e receio, que os Estados Democráticos ocidentais se organizaram para criar outras correntes doutrinárias.

O Socialismo Democrático, a Social Democracia e a Democracia Cristã, pautadas por mais equilíbrio, bom-senso, respeito pelas diferenças e pelo outro, conseguiram afirmar-se como as novas forças políticas. Ainda que entre si existissem consideráveis diferenças, não estivesse em causa a esquerda e a direita, Liberais e Conservadores, todas essas correntes tinham em comum o que os extremos não tiveram - e não têm.

O resultado dessa reforma partidária levou os Estados da Europa - Portugal incluído - a colocar os cidadãos no centro da sua ação política. O mesmo é dizer que, ligeiramente mais à esquerda ou direita, entre eles partilham uma agenda onde as Pessoas aparecem em primeiro lugar. Portanto, a Europa passou a ter uma agenda social na qual se afigura a Escola Pública, a Segurança Social ou o Serviço Nacional de Saúde.

Se tudo parecia conforme, a questão que paira no ar é o porquê do surgimento de alguns movimentos extremistas por essa Europa fora - Portugal incluído. Outro dogma passa por enquadrar a maior aceitação dos extremos à esquerda do que à direita.

Talvez se deva a dois fatores essenciais. O primeiro será de ordem ideológica, isto é, as ditaduras de direita põem em prática as suas convicções e o resultado obtido é aquele que se prevê. Já os regimes ditatoriais de esquerda não aplicam a génese da ideologia, mas sim a condução de uma prática ideológica abusiva. O segundo fator, menos doutrinário, alicerça-se no facto da Europa ter estado sob o jugo do poder autoritário da extrema-direita há apenas 75 anos. Por isso há ainda uma nuvem negra que não se dissipa.

Voltando ao crescimento atual dos extremos, há desde já um dado que pode ser elevado: os Estados precisam de rever e atualizar as prioridades que definem para os seus cidadãos.

É essencial fortalecer o sentimento de inclusão e representação nos rumos da nação. As Pessoas precisam de sentir que o Estado "toma conta delas", tanto no plano individual como coletivo. E no coletivo inserem-se todos os cidadãos, sem exceções. O indivíduo não procura romper com o sistema, mas sim reconciliar-se com ele.

Quando se repriorizar e a reconciliação for alcançada, o Estado e cidadãos deparar-se-ão com uma estrada bifurcada: por um lado, crescerão os deveres das Pessoas para com o Estado, numa relação que se espera mais dinâmica e participativa, por outro o Estado e seus representantes têm de conseguir a credibilização dos seus atos através do mérito exemplar e do bom-senso.

Finda a viagem pelo hipocampo, vislumbra-se o óbvio: o radicalismo não é solução para coisa nenhuma. A resolução dos problemas e insatisfação das Pessoas faz-se por via da perceção do contexto em que se inserem, das suas necessidades, do envolvimento e proximidade. Não se fará com proibições partidárias, com respostas imediatas ou retaliações à moda da Lei de Talião. O caminho é dos extremos para o centro. Onde todos somos precisos e a tolerância e respeito pelo próximo são o denominador comum.