Uma democracia de medíocres?
Vivemos no mundo às avessas de Gil Vicente (1465-1536). As redes sociais é que educam. As crianças e os adolescentes têm como companheiro fiel o telemóvel: o mal e a imbecilidade à distância dum clique. As reformas do ensino proletarizam os professores. Os portugueses, como os professores, foram decapitados. Como os professores, estão exaustos. Sentem-se traídos por décadas de políticas que servem interesses dos poderosos, mas já não servem a ninguém.
Vá-se de comboio, pela Linha de Sintra, e veja-se e oiça-se: brancos, pretos, ciganos, eslavos, remediados, pobres - todos sabem que aqui não há futuro. E é esta a questão central hoje: 50 anos depois do 25 de Abril vivemos na encruzilhada - ou a anarquia ou a intransigente defesa de políticas sociais. Ou a justa redistribuição da riqueza ou a disrupção. Essencial neste processo: cultura e educação. Disse Monteiro Lobato, escritor brasileiro: um país faz-se com livros.
É que o presente é esmagador: rendas incomportáveis, ordenados de miséria, impostos vampirescos. Para quando uma lei das rendas justa para senhorios e inquilinos? Para quando disciplinas formadoras do espírito: literatura, artes, música, filosofia, história?
E tocamos no nervo do país: a Educação. Que se aprende nas escolas, e como? Que se aprende nesta República? Que modelos têm os portugueses a não ser o dos bilionários da bola e as cristinas da ambição desenfreada? É que no reino da estupidez isto anda tudo ligado. Das bestializantes redes sociais que infantilizam os adultos, às letras das músicas ouvidas por crianças e adolescentes; da publicidade aos programas das televisões, dos bairros suburbanos ao desertificado país das cidades-fantasma - vemos, ouvimos e lemos… continuaremos a ignorar?
O país: a sexualização dos sentimentos, o engraçadismo, o crime que não cessa. A futebolização dos debates. Em Portugal oscilamos entre a raiva mais salivar ou caímos no relativismo mais soez. Aqui, das duas uma: ou se nasceu rico e/ou se tem cartão partidário ou espera-nos o nada. O elevador social foi destruído. Oiça-se o trap, a música dos mais novos. Trap: armadilha, cilada. As letras e os ritmos denunciam o óbvio: os pobres estão fartos. Trap: Mesclagem de hip-hop e de rap com quê? Com ódio e desejo de vingança. Escreveu Cesário Verde (1855-1886): “O populacho diverte-se na lama.”
Os portugueses mudaram - e muito. Todos comem melhor e andam calçados. Todos? Lê-se, de facto, melhor? Pensa-se melhor? Fala-se e escreve-se melhor? Estamos mais sensíveis em relação ao outro? José Gomes Ferreira, no seu Poeta Militante - III: é esta uma “democracia de medíocres”? Eduardo Lourenço diagnosticou: não sabemos nem o quem, nem o “para que somos”. No país europeu do “perdido por um, perdido por mil” haja Educação Cívica (António Sérgio). É o caminho.