Uma carreira de sonho 

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A Direcção Geral da Administração Escolar (DGAE), antes de ser engolida pela “reforma” da orgânica do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, divulgou uma campanha de publicidade institucional destinada a recrutar novos professores. Atendendo à situação criada ao longo das últimas duas décadas, não deixa de ser curioso que encontremos na actual equipa ministerial (e na área governamental) quem, durante esse período, dedicou parte do seu tempo a amesquinhar a profissão docente, a qualidade dos professores e a acusá-los de serem uns privilegiados, egoístas, sempre a reclamar por direitos que se dizia serem injustos em termos sociais. Recolhidos os maus frutos das suas acções, agora garantem que a possibilidade de seguir a carreira docente é motivadora e asseguram a estabilidade profissional de uma carreira com futuro (transcrições do site da DGAE). 

Perante o cenário dramático que se vive em diversas zonas do país, fruto do previsível envelhecimento docente, acrescido do desânimo profissional decorrente das medidas que destruíram qualquer motivação ou sensação de estabilidade, a campanha teve de pintar com tons suaves e doces uma realidade que o não é. Claro que chamou a atenção a promessa de um ingresso rápido na carreira e uma remuneração considerada muito atractiva de mais de 1700 euros (mais exactamente 1714,11, acrescidos de subsídio de refeição).  

Não seria de esperar outra coisa porque é como qualquer campanha publicitária em que se quer vender um produto: exalta-se o poder de limpeza do detergente, o aroma do sabonete, o lado ecológico do aparato. Não se espera que digam que dos mais de 1700 euros, a um professor jovem, não casado e sem dependentes, sobrem menos de 1230 líquidos. Não seria boa publicidade. 

Mas há um aspecto bem mais importante que os candidatos a esta “nova” carreira de sonho devem ter em atenção e que é a confiança que merece quem tamanha generosidade anuncia. Porque foram várias destas mesmas figuras que prosseguiram ou apoiaram políticas que fizeram tábua rasa das promessas feitas aos professores que ingressaram na carreira antes de 2007. 

Quando dei aulas pela primeira vez em 1987 ou entrei para Quadro de Zona Pedagógica em 1998 ou mesmo quando ingressei em quadro de agrupamento em 2006, a carreira era outra, assim como o horizonte de progressão; ninguém me falou de congelamentos ou de acréscimos nos escalões a percorrer. Não havia campanhas de recrutamento, porque se achava que havia professores a mais e, a breve prazo, que era necessário seleccioná-los, porque muitos eram maus (foi o actual secretário Homem Cristo a escrever algo assim, sem tremor). Como confiar, agora, nas promessas de quem já disse um pouco de tudo e também o seu contrário? 

Por estes dias, nem um carro novo lhes compraria, quanto mais uma carreira profissional mal remendada. 

Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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