Um passado em branco

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Foi uma das imagens do debate entre os candidatos presidenciais António Filipe, apoiado pelo PCP, e António José Seguro, parcialmente apoiado pelo PS. A propósito dos clientes de Marques Mendes - que mesmo sem estar à mesa foi um dos temas de conversa -, enquanto advogado e consultor, António Filipe apostou algumas fichas num número “giro”: mostrou uma folha branca com todos os nomes dos seus clientes. Ou seja: zero. Nenhuma surpresa aqui. O candidato apoiado pelo PCP tem uma carreira na política profissional, como dirigente do partido e deputado (muitas vezes) eleito, mas sobretudo como professor universitário.

Seguro, um político que tem habituado os portugueses a seguir sempre o caminho menos surpreendente, respondeu da forma mais segura possível no atual contexto. Prometeu divulgar em breve os quatro ou cinco clientes que teve ao longo da sua carreira como consultor. Nenhuma surpresa aqui.

Há uma realidade que ajuda a explicar o número de António Filipe e a decisão de António José Seguro de assistir com o mesmo naipe. O caso da Spinumviva que afetou e ainda afeta Luís Montenegro - uma empresa sua que tinha avenças de clientes em setores sobre os quais o Governo tem de se pronunciar, como o dos casinos - levou a uma quase sanha persecutória contra todo e qualquer político que tenha lidado com empresas no passado, que tenha tido clientes e que, crime supremo, tenha feito algum tipo de fortuna com isso. Ainda e sempre o estigma bem presente em Portugal de que ter dinheiro não é sinal de êxito, mas sim de cambalacho. Se tem dinheiro, algum mal terá feito a alguém. Nenhuma surpresa aqui.

E como os principais partidos (sobretudo PS e PSD) estiveram envolvidos - correta ou erradamente - em acusações de corrupção ou em favorecimentos suspeitos a empresas e grupos económicos, vários dos candidatos presidenciais desde bem cedo sentiram a necessidade de se apresentarem como estando livres da peçonha dos partidos (como Gouveia e Melo) ou livres dos partidos que têm peçonha (isto no entender de André Ventura).

Isso levou António José Seguro a uma tentativa de se afirmar como estando distante da linha dirigente do atual PS, partido ao qual dedicou décadas da sua vida e que o apoia na corrida a Belém. E fez com que Marques Mendes fosse buscar às memórias os anos como comentador televisivo em que criticou o PSD e alguns dos seus líderes, como Rui Rio (que é mandatário nacional de Gouveia e Melo e não do candidato apoiado pelo partido que liderou…)

A questão principal, como é óbvio, é outra. Militância partidária é currículo, não é cadastro. Carreira no privado é experiência de vida, não é uma senha de vez para se vir a ser acusado de favorecer A, B ou C no futuro. Ter feito dinheiro na vida é, na grande maioria dos casos, sinal de competência a criar valor ou a multiplicar dinheiro herdado. E, a não ser que a Justiça acuse e comprove que houve algum ilícito, é algo bom, nada que deva envergonhar.

Portugal já teve um líder, durante demasiados anos, que fazia gáudio em viver despojadamente e que desprezava os partidos, apelidando-os de “agremiações convertidas em clientelas, sucessiva ou conjuntamente alimentadas pelo Tesouro”. Não correu nada bem.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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