Um país que não lê é um país que não cresce

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No início deste mês, o Ministério da Educação fez saber os resultados de um Diagnóstico de Fluência Leitora, que realizou junto de alunos do 2.º ano de escolaridade: 25% dos alunos têm dificuldades (leem 51 palavras por minuto) e a média, apesar de dentro dos parâmetros internacionais (75 palavras por minuto), é bastante preocupante. Isto porque o intervalo de referência vai de 70 a 130 palavras lidas corretamente. Ou seja, estamos demasiado perto do limite mínimo.

Há uns meses, já tinham sido divulgados outros dados que deviam ter-nos deixado de sobreaviso: o Education at a Glance 2025 dava conta de que Portugal está entre os 30 países com o nível mais baixo de proficiência em literacia. Cerca de metade (46% ) dos portugueses com idades entre os 25 e 64 anos tem muita dificuldade em interpretar textos e só consegue compreender textos muito curtos e com o mínimo de informação irrelevante.

Toda esta informação é relevante porque nos mostra que as dificuldades não são algo da geração mais nova, mas sim um problema transversal à população, e que parece continuar a agravar-se com o cada vez menos tempo que dedicamos à leitura de textos longos e complexos. A proliferação dos vídeos, de textos “explicadores” e das redes sociais acabaram por criar um cenário perfeito para uma espécie de preguiça mental que a escola parece não estar a conseguir inverter.  Tal como acontece com vários músculos do nosso corpo, o cérebro precisa de exercício constante para não perder (ou ganhar) algumas capacidades básicas. O consumo de informação totalmente “mastigada”, que à primeira vista parece uma ótima opção para tornar clara uma mensagem, torna-se a longo prazo num problema sério de compreensão do mundo e de falta de sentido crítico. Sobretudo porque acabamos por estar sempre à espera que alguém pense por nós o que nos parece complexo.

Para muitos jovens e adultos, ler um livro é hoje uma tarefa absolutamente aborrecida – quando há apenas 20 anos era uma forma mágica de viajar, conhecer outros mundos e alargar vocabulário; aquilo a que os especialistas chamam de limiar de atenção (o tempo que conseguimos dedicar a uma tarefa sem nos distrairmos) está atualmente nos 40 segundos graças aos choques de dopamina a que, por exemplo, as notificações dos telefones e computadores nos habituaram; e a importância que nós damos à língua – e não apenas ao português, porque o problema é global – é cada vez menor, porque achamos que encontraremos resposta a tudo o que não compreendemos na internet (ou no ChatGPT). Não admira, portanto, que o aproveitamento escolar ande a cair em todas as matérias: é que é impossível resolver um problema matemático se não entendermos o enunciado, da mesma forma que é impossível conhecer a História se não compreendermos o que ela nos conta, e que se torna complexo apreender os pensamentos filosóficos basilares do pensamento crítico se não conseguirmos ler o que nos deixaram escrito Platão, Kant ou Nietzche.

E é precisamente nesta incapacidade de compreender o que vai para além do sound bite que cresce a desinformação, o ódio e a violência. Porque ao invés de olharmos para a realidade e conseguirmos ter sobre ela uma opinião pessoal, fundamentada em todo o conhecimento que absorvemos na literatura, na História, na filosofia, nas notícias e, naturalmente, na nossa própria experiência, o que temos é uma realidade moldada pelos olhos de quem no-la entrega de forma rápida e moldada aos seus interesses. E é por isso que ler apenas 75 palavras por minuto quando se tem 8 anos é uma preocupação e deve fazer soar os nossos alarmes. Porque se queremos uma sociedade mais informada, mais crítica, mais exigente e mais rica, temos de entender que esse trabalho começa cedo. E começa por conseguir ler e interpretar palavras tão simples como as que aparecem nos livros infantis, os primeiros companheiros das nossas aventuras de criança, para que possamos ser todos adultos responsáveis e conscientes nas nossas aventuras do dia-a-dia, quando crescemos.

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