Um pacto de regime para o futuro do interior do país

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O primeiro-ministro Luís Montenegro apresentou esta quinta-feira, 21 de agosto, um pacote de 45 medidas para apoiar as populações afetadas pelos incêndios florestais e propôs um pacto de regime, a aplicar nos próximos 25 anos, que permita criar condições para prevenir e combater este flagelo.

No domínio da comunicação política, o que o primeiro-ministro está a fazer é, obviamente, tentar correr atrás do prejuízo, após ter sido duramente criticado devido ao facto de ter continuado as férias enquanto meio país ardia. Claro que Montenegro é um ser humano como os outros e o facto de estar de férias ou a discursar na Festa do Pontal não significa que não estivesse a acompanhar o combate aos incêndios; mas, em política, o que parece é. Perante um país em choque com esta situação, Montenegro passou uma imagem de desinteresse e insensibilidade que muitos não esquecerão. Ofereceu uma oportunidade de ouro a André Ventura, que rapidamente a aproveitou.

Dito isto, a ideia de um pacto de regime para resolver este problema é de louvar. As medidas que terão de ser tomadas vão exigir um consenso alargado entre os principais partidos e, sobretudo, no conjunto da sociedade portuguesa.

O ordenamento do território, por exemplo, será um desafio a vários níveis, quer a nível administrativo, quer judicial. Não podemos continuar a ter terrenos sem proprietários conhecidos. A lista é extensa. Precisamos de leis que facilitem o emparcelamento das propriedades e a entrega da sua gestão a entidades capazes de cuidarem da floresta e de a explorar do ponto de vista económico. Precisamos de procedimentos que facilitem a entrega voluntária de terrenos florestais a um banco de terras do Estado. Precisamos que o cadastro das propriedades florestais seja concluído e que deixem de existir situações em que os terrenos ainda estejam em nome de pessoas que já faleceram há décadas, com partilhas e sucessivos registos por fazer. Precisamos de criar condições para que haja um efetivo controlo da limpeza das matas, para que não continuemos a ter situações em que alguns proprietários cumprem enquanto outros, na porta ao lado, não o fazem. Precisamos, ainda, de reforçar a vigilância, recuperando a figura do guarda florestal, agora com o apoio de novas tecnologias, como os drones, que permitem um controlo mais efetivo do território. Sem esquecer, claro, que precisamos de mais meios para os bombeiros, melhor coordenação a nível nacional e um acompanhamento permanente dos incendiários conhecidos, muitos deles portadores de distúrbios psicológicos que facilitam a reincidência no crime.

Porém, o principal desafio que requer a existência de um verdadeiro consenso nacional é o que diz respeito ao futuro do interior do país. Se o interior não estivesse tão desertificado e envelhecido, tanto a prevenção como o combate aos incêndios seriam mais eficazes. E, neste domínio, os governos podem fazer muito, a começar por assegurar que o Estado está presente em todo o território nacional e que existem escolas, postos de correio, agências bancárias, hospitais, centros de saúde, maternidades e postos da GNR, mesmo que a manutenção destes serviços e infraestruturas seja deficitária no curto prazo. Se queremos atrair pessoas para o interior, é preciso criar condições para isso. Para tal, é necessária uma estratégia de longo prazo, que vá além das palavras piedosas que se costumam repetir nesta altura do ano.

Diretor do Diário de Notícias

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