UE e pensões: a raposa que imita o piar dos pintos 

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Quando foi conhecida a carta de missão com que Maria Luís Albuquerque foi indigitada para Comissária, ficou claro ao que vinha.  

Condicionar e fragilizar os sistemas públicos de pensões e promover e favorecer o negócio bilionário dos fundos de pensões privados era parte significativa do seu caderno de encargos.  

As propostas que agora acaba de anunciar confirmam isso mesmo. 

O ponto de partida é a velha e falsa lenga-lenga do futuro supostamente incerto dos sistemas públicos de pensões.  

Trocar um sistema público de pensões por fundos privados de pensões é um dos negócios mais arriscados para os pensionistas. Por isso se agitam de novo falsos papões para criar intranquilidade e incerteza. Só assim as pessoas poderão aceitar fazer negócios arriscados.  

E as propostas que a comissária portuguesa apresenta em nome da Comissão Europeia são de alto risco. 

Promover sistemas complementares de pensão não garante rendimento aos pensionistas. Pelo contrário, põe em risco uma parte da sua pensão com os negócios de risco que os fundos privados de pensões fazem com o dinheiro que lhes é entregue.  

Esta solução agrada, sim, aos grandes grupos económicos e financeiros que estão de olhos postos nas contribuições e poupanças dos trabalhadores à espera de fazerem lucro com elas. Só a partir da perspectiva desses interesses se pode compreender a intenção de desviar para fundos privados de pensões recursos que deveriam servir para robustecer os sistemas públicos. 

E só a partir dessa perspectiva se pode compreender ainda a proposta de inscrição automática dos trabalhadores em sistemas complementares de pensões. Esta proposta revela como os trabalhadores (e futuros pensionistas) são encarados como meros instrumentos de um negócio bilionário de pensões que se pretende criar à escala da União Europeia. 

Dizer que, caso queiram, os trabalhadores podem depois não querer participar nesses sistemas complementares é mera operação de retórica. Era só o que mais faltava que assim não fosse. Mas essa possibilidade não altera a circunstância de se estar a criar, à força, “clientela” para um negócio arriscado e prejudicial para os próprios “clientes”. 

Acresce a isto o ovo de Colombo de qualquer grande negócio: para ser garantidamente lucrativo é preciso que tenha financiamento público. Lá aparecem, por isso, as costumeiras propostas de desvio de recursos dos Estados para este negócio bilionário dos fundos privados de pensões, nomeadamente com medidas de incentivos fiscais. 

Quando, há um ano, foi questionada pelo PCP sobre as consequências de todas estas opções para milhões de pensionistas, a comissária portuguesa desvalorizou os riscos e quis fazer de conta que aquilo que estava em cima da mesa era em benefício dos próprios pensionistas. 

Agora, percebe-se com maior clareza que o que está em causa é precisamente aquilo que há um ano se denunciava. E fica claro que a atitude da União Europeia em relação às pensões e aos pensionistas é a mesma da raposa que piava como os pintos para comer as galinhas mal estas saíssem do galinheiro. 

Eurodeputado

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