Trump-Xi e o mundo como ele é

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A partir das revoluções americana e francesa fomos assistindo a uma dança das cadeiras na ascensão e queda das grandes potências, com a pentarquia europeia – França, Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia – a impor-se ao resto do mundo. A guerra da Independência americana e as guerras da Revolução e do Império, ao trazerem a questão da legitimidade do poder, trouxeram a ideologia para a geopolítica clássica; mas, ao longo do século XIX, na Europa, o constitucionalismo monárquico liberal – aqui mais religioso e conservador, ali mais laico e progressista – foi-se consolidando, permitindo a partilha de África e outras agendas imperiais.

A Grande Guerra de 1914-1918 e a decorrente revolução bolchevique de 1917 na Rússia, que ficara fora da matriz evolutiva europeia, acabaram com “o mundo de ontem”. E veio a era das ideologias cosmocráticas – comunismo, fascismo, democracia liberal – que se foram afirmando, combatendo e convergindo em sínteses negociadas. Em 1939, o que começou por ser uma guerra clássica entre Estados, passou a ser também guerra ideológica, a partir da invasão de Hitler da União Soviética de Estaline, em Junho de 1941, com toda a carga de intolerância das guerras civis. Foi o desfecho da “guerra civil europeia”, de que fala Ernst Nolte.

Acabada a guerra quente, começava a Guerra Fria. O hitlerismo e o Eixo foram vencidos por uma aliança entre as democracias liberais anglo-saxónicas e a Rússia comunista; e os Estados Unidos e a URSS passaram a protagonizar a nova bipolarização, numa singular forma de conflito, em que o risco de aniquilamento nuclear cruzado não permitia a guerra directa entre os inimigos principais.

Os Estados Unidos acabaram por ganhar a guerra com alguma verdade e considerável bluff: verdade, porque o mundo percebeu que os “socialismos reais”, que apareciam aos néscios como um subcapítulo do Sermão da Montanha, eram sociedades totalitárias, policiais, governadas pelo Partido e pelo terror; e bluff, porque foi através do bluff da Guerra das Estrelas que Reagan levou Gorbachev a liberalizar. E o comunismo liberalizado, sem opressão nem medo, nunca iria durar muito. Como não durou.

Depois do fim da URSS, os neoconservadores americanos impuseram o globalismo democrático e capitalista que trouxe de volta os abismos socioeconómicos do capitalismo selvagem.

Donald Trump e o ressurgimento do nacionalismo popular na Europa foram as consequências desta deriva mundialista que aprofundou o fosso entre os muito ricos e os seus companheiros de bolha (políticos e burocratas do sistema) e o povo e a classe média.

O conflito está à vista e, bem ou mal, revolucionário ou contra-revolucionário, Trump parece ser a alternativa ao desequilíbrio, mostrando-se empenhado em criar uma nova ordem e desafiando para isso a China, a potência emergente.

Por isso, no encontro Xi-Trump tratou-se do quase-monopólio chinês das “terras raras” e da abertura à sua exportação para os EUA, a troco da baixa de tarifas na América para produtos chineses. Os chineses também prometeram controlar os químicos base do Fentanil, uma droga barata que mata dezenas de milhares de americanos todos os anos.

Os dois líderes falaram pouco da Ucrânia e, supõe-se, nada das compras pela China do petróleo russo ou de Taiwan. Trataram sim, de segurar o seu lugar na nova dança das cadeiras.

Politólogo e escritor. O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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