Trump não será o único Donald a ter impacto no futuro da Ucrânia
Quando Donald Tusk olha para os recentes acontecimentos na Ucrânia, incluindo o novo míssil russo disparado contra Dnipro, e alerta para o risco cada vez maior de um conflito global convém ouvi-lo. Afinal é o primeiro-ministro da Polónia, um país que não só é vizinho da Ucrânia como tem com esta uma profunda afinidade; um país, também, cujo passado aconselha sempre a ter especial atenção à Rússia. Ainda por cima é um ex-presidente do Conselho Europeu, muito bem-visto em Bruxelas, e um dos dirigentes no Velho Continente com mais condições para ter uma boa relação de trabalho com Donald Trump, a partir de 20 de janeiro formalmente o presidente dos Estados Unidos.
Ou seja, Tusk é uma figura incontornável se a União Europeia quiser ter uma voz nas negociações de paz que definirão o futuro da Ucrânia, caso Trump cumpra a promessa de convencer Vladimir Putin a pôr fim à guerra que dura desde 2022.
Maior dos países eslavos ocidentais, de esmagadora maioria católica, a Polónia tem uma relação difícil com a Rússia, da qual é hoje vizinha graças ao enclave de Kaliningrado. No passado polacos e russos (eslavos de religião ortodoxa) travaram várias guerras, invadindo até a capital inimiga. A Rússia, mais forte, chegou mesmo a repartir o território polaco com prussianos e austríacos e foi através de uma guerra de libertação contra os russos que a Polónia reemergiu como nação, depois de proclamar a independência em 1918. E na memória de muitos polacos está ainda esse 1 de setembro de 1939, quando os alemães invadiram o país, depois de um pacto com os soviéticos que, após alguns dias, também se lançaram à conquista do país.
Nascido em Gdansk, que com o nome de Danzig foi palco da primeira batalha oficial da Segunda Guerra Mundial, Tusk tem naturalmente um grande sentido da História, a área que estudou na universidade. Um avô aderiu às Forças Livres Polacas, que obedeciam ao Governo exilado em Londres e que foram, depois do fim da guerra em 1945, ultrapassadas pela resistência obediente a Moscovo. E ele, jovem, fez parte dos grupos de estudantes que apoiavam o Solidariedade, o sindicato liderado por Lech Walesa que se transformou um movimento político e derrotou o regime comunista. É também sabido que o fim da União Soviética, que muitos associam ao Papa polaco João Paulo II e a Walesa, foi para Tusk um dia feliz.
Mas se Jaroslaw Kaczynski, o seu grande rival político interno e outrora conselheiro de Walesa, via a oposição aos russos na Ucrânia também como uma prioridade, Tusk, desde que regressou ao poder em 2023, soma a seu favor sempre ter defendido uma reação conjunta europeia, e será esta nova Polónia reconciliada com o espírito europeísta que a 1 de janeiro assumirá a Presidência da UE num momento decisivo, em que se nota um agravar do conflito, com novas armas de um lado e do outro (também os mísseis de ATACMS cedidos pelos americanos aos ucranianos).
Se dúvidas houvesse ainda sobre a renovada capacidade de liderança da Polónia, esta foi comprovada pela reunião que o ministro dos Negócios Estrangeiros Radoslaw Sikorski promoveu há dias em Varsóvia com os homólogos francês, alemão e italiano (e britânico e espanhol por videoconferência), com presença também da já designada Alta Representante da UE para a Política Externa, Kaja Kallas, antiga primeira-ministra da Estónia.
A Presidência semestral polaca vai coincidir com o início do segundo mandato de Trump, a quem Tusk, pragmático, deu logo os parabéns assim que a eleição se confirmou. Convicto da importância da relação transatlântica para a segurança europeia, Tusk vai tudo fazer para nem a UE, nem os ucranianos, nem a frente Leste da NATO serem esquecidos pela Administração Trump se esta negociar com Putin. Tem a seu favor governar um país que há muito ultrapassa os 2% do PIB em Defesa (já vai, aliás, nos 4%, mais do que os Estados Unidos), o que só pode cair bem junto do futuro presidente americano.
Vamos, pois, ouvir falar muito de Tusk nos próximos tempos. Trump não será o único Donald a ter impacto no futuro da Ucrânia.
Diretor-adjunto do Diário de Notícias