A propósito dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, na frente europeia, depois do suicídio de Hitler e da derrota da Alemanha Nazi, a Liga Antidifamação, sediada nos Estados Unidos, publicou um estudo que mostrava que os incidentes antissemitas violentos estavam a aumentar nos sete países com as maiores comunidades judaicas fora de Israel. Falamos dos Estados Unidos, claro, com quase seis milhões de judeus, também nas Américas do Canadá e da Argentina, na Europa da França, do Reino Unido e da Alemanha, e na Oceânia da Austrália, palco no domingo de um ataque terrorista contra famílias que celebravam o Hanukkah na Praia de Bondi, a famosa Bondi Beach, em Sidney. Terão morrido mais de 15 pessoas. Os Estados Unidos surgiam, nesse estudo, até pela demografia, como o país com mais incidentes antissemitas, com 9354 em 2024, com uma acelerada progressão como se pode perceber pela evolução dos números: 2717 em 2021, 3698 em 2022, 8873 em 2023. Tendência preocupante que vem de antes do massacre de israelitas pelo Hamas a 7 de outubro de 2023 e da guerra de retaliação contra Gaza, mas que se acentua depois do ataque de Israel ao território palestiniano. O aumento dos casos desde 2021 é também impressionante na Alemanha, no Reino Unido e na França, e igualmente na Austrália. Nesta última, com uma população judaica de pouco mais de 100.000 pessoas, o número de incidentes reportados passou de 447 em 2021 (e pouco mais em 2022 e 2023) para 2062 no ano passado. E houve referências diretas a esse aumento do antissemitismo quando o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, criticou há poucos meses o homólogo australiano, Anthony Albanese, por ter decidido reconhecer um Estado Palestiniano, numa mistura de política internacional e política doméstica que nunca é saudável. Israel, por Netanyahu e ainda mais pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros Gideon Saar, voltou agora, após este ataque, a fustigar o governo australiano, dizendo que foram feitos sucessivos alertas sobre as eventuais consequências da “onda de antissemitismo nas ruas da Austrália nos últimos dois anos”. Albanese reagiu de imediato aos acontecimentos da Bondi Beach declarando que se tratou de um “ato maligno de antissemitismo, terrorismo que atingiu o coração da nossa nação”. Internacionalmente, ouviram-se múltiplas vozes de condenação do ataque vindas, por exemplo, de líderes europeus como o presidente francês Emmanuel Macron ou o chanceler alemão Friedrich Merz, também do secretário-geral da ONU, António Guterres. O Governo português reagiu através de comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a condenar “veementemente o ataque contra a celebração de Hanukkah em Bondi Beach, na Austrália - um ato hediondo de antissemitismo”. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa, por seu lado, reafirmou a sua “condenação da violência especialmente originada pelo ódio, nomeadamente o antissemitismo, o racismo, a xenofobia, a intolerância, que nos lembra os tempos mais negros da nossa História recente, que atenta contra a dignidade humana e o respeito pelo outro”.Depois das condolências e das recriminações, e esperando que entretanto sejam apuradas a autoria do que aconteceu em Sidney, será preciso agir ainda mais contra o antissemitismo. O facto de estar a aumentar na Austrália, uma sociedade democrática, aberta, tolerante, que assumiu nas últimas décadas a construção de uma identidade nacional baseada na diversidade, deve servir de especial alerta para todos. Como o New York Times sublinhava, vive ali a maior proporção de sobreviventes do Holocausto, tirando Israel. Um país refúgio que corre o risco de deixar de o ser, pelo menos um refúgio seguro, numa época em que não deveriam ser necessário refúgios. “Um ataque contra judeus australianos é um ataque contra todos os australianos”, disse Albanese e muito bem. Uma ideia que tem de ser repetida pelos líderes europeus também, que conhecem o passado de perseguição aos judeus, seja pela Inquisição em Portugal e Espanha, os pogroms na Europa Central e Oriental ou o bem recente Holocausto. Sobretudo - mesmo que o fenómeno antissemita venha de antes do 7 de Outubro - tem de ficar bem claro que as críticas ao governo israelita, e até ao Estado de Israel, são legítimas, mas não a associação do que se passa no Médio Oriente a uma religião e a pessoas que são cidadãos como quaisquer outros, embora de credo diferente, sobretudo quando essa associação gera um ódio cego que vai da pintura de frases ofensivas nas paredes, ofensas verbais nas ruas ou vandalização de cemitérios, até casos de terrorismo, como este na Austrália e outros anteriores, como em França, em 2012, o ataque a uma escola judaica.No início do ano, entrevistei, por estar de passagem por Lisboa, o espanhol Juan Caldés, da Associação Judaica Europeia, que falou ao DN sobre a hostilidade crescente aos judeus no continente e a relação com a guerra entre Israel e o Hamas. O título foi: “A Europa Ocidental é hoje muito pior do que a Europa Oriental em termos de antissemitismo.” Poderia haver uma explicação simples, que seria a Europa Ocidental, sobretudo França e Reino Unido, ser aquela que mais cedo reconheceu direitos de cidadania aos judeus e os protegeu e, portanto, tem hoje as comunidades mais numerosas, as que escaparam ao Holocausto. É certamente algo mais complicado, e sem dúvida que há alguma relação com o conflito israelo-palestiniano, mas o evidente é que é intolerável e tem de ser travado.Diretor adjunto do Diário de Notícias