Vivemos um momento em que a inovação tecnológica deixou de ser apenas um instrumento de modernização — é hoje o principal motor da transformação estratégica das forças armadas. No centro desta mudança está a integração de sistemas não tripulados — veículos aéreos, de superfície e submarinos — vulgo drones, que estão a redefinir não só o modo como as missões são conduzidas, mas também a própria lógica da Defesa.Mais do que novas ferramentas, estes sistemas representam um novo modo de pensar, decidir e operar. E é neste contexto que Portugal, através da Marinha, assume um papel pioneiro. Com o exercício internacional REPMUS (Robotic Experimentation and Prototyping with Maritime Unmanned Systems) e a construção de um ecossistema de inovação centrado no Mar, o país afirma-se claramente como protagonista na nova era da defesa — um tempo marcado por autonomia tecnológica, interoperabilidade e pensamento estratégico ágil.A tecnologia obriga a repensar doutrina, treino, organização, liderança e os componentes essenciais para construir e manter capacidades operacionais. A guerra moderna exige perfis híbridos — oficiais que compreendem engenharia, engenheiros que percebem de operações — e estruturas organizacionais que favorecem a experimentação e a decisão descentralizada.Num tempo em que a evolução tecnológica já não segue ritmos lineares previsíveis como a Lei de Moore, a construção de capacidades no ecossistema português de inovação naval não se deve limitar à resposta a desafios imediatos. Para se manter à frente, é essencial adotar uma lógica diferente: combinar pensamento centrado no utilizador com metodologias de antecipação de futuros. Esta abordagem — que alia design thinking com futures thinking — permite imaginar alternativas, experimentar com risco controlado e preparar as instituições para o inesperado.O exercício REPMUS é hoje um exemplo paradigmático da transformação em curso na defesa. Nele, Forças Armadas, indústria, academia e parceiros internacionais convergem para testar e validar novas capacidades num ambiente realista e dinâmico. Através da interoperabilidade, da partilha de conhecimento e de uma metodologia colaborativa e iterativa — centrada na integração entre utilizadores e criadores — o REPMUS afirma-se como um verdadeiro laboratório de inovação operacional, cuja relevância tem despertado o interesse de vários países que estudam já a replicação deste modelo de experimentação tecnológica e operacional nos seus próprios contextos.A transformação na defesa também não pode ser vista apenas como adoção de novos sistemas. Trata-se da criação de redes sociotécnicas — sistemas compostos por pessoas, infraestruturas, tecnologias, regulamentos e práticas — que operam em articulação contínua. Um exemplo estruturante desta abordagem é o Centro de Experimentação Operacional da Marinha (CEOM), que congrega o exercício REPMUS e a Zona Livre Tecnológica Infante D. Henrique como pilares de experimentação num laboratório vivo e colaborativo. Este ecossistema permite testar e validar tecnologias em contexto operacional, promovendo a articulação entre atores civis e militares, públicos e privados. Neste contexto, Portugal está a moldar estas redes ao seu contexto, fazendo do Mar um espaço de inovação integrada e sistémica.A cocriação é outro aspeto central na abordagem portuguesa à inovação na defesa. No REPMUS, a Marinha, como parceira no desenvolvimento, trabalha lado a lado com engenheiros, cientistas e empresas tecnológicas, num modelo que antecipa os futuros desafios operacionais através da experimentação multidisciplinar.Um dos pilares desta abordagem é a aposta clara no uso dual das tecnologias desenvolvidas para a defesa. Drones e sensores, concebidos para contextos militares, são igualmente aplicáveis a áreas civis como a monitorização ambiental, a segurança marítima, a gestão de desastres naturais ou a investigação científica. Esta versatilidade aumenta não só a viabilidade económica dos projetos, como também amplia o seu impacto social e estratégico, reforçando a ideia de que investir em defesa é investir em soberania, indústria e desenvolvimento económico.A guerra na Ucrânia veio reforçar esta necessidade de mudança: a utilização massiva de veículos não tripulados mostrou que a criatividade, a rapidez e a descentralização são mais eficazes do que o poder convencional isolado. Neste novo campo de batalha, Portugal está a demonstrar que é possível liderar pela inteligência e pela inovação, em linha com as tendências da defesa europeia.Assim, tecnologia, mar e defesa formam hoje uma tríade inseparável da inovação ao serviço da segurança europeia. E Portugal, ao investir na integração destas dimensões, entra de forma clara na nova era da segurança e da defesa, com presença e ambição, estratégia e capacidade de execução.Neste novo tempo, quem lidera não é quem tem mais meios — é quem pensa melhor, adapta mais depressa e coopera com mais eficácia. Portugal está a fazê-lo. E está a inspirar a Europa a seguir o mesmo rumo.