Depois das duas guerras mundiais, a liderança do mundo pelo Ocidente passou claramente da Grã-Bretanha para os Estados Unidos em meados do século XX. É verdade que tanto britânicos como franceses, embora perdendo os seus impérios coloniais, foram capazes de se manter grandes potências, até armados com significativos arsenais nucleares, mas limitados gostassem ou não a um papel de suporte dos americanos (De Gaulle foi quem mais tentou contrariar essa secundarização), que tiveram de lidar numa competição global com a outra superpotência que emergiu no pós-1945: a União Soviética. Da Guerra Fria saíram vencedores os Estados Unidos, e, graças à desintegração soviética e à fraqueza evidente da nova Rússia, passou a haver uma superpotência única. Foram os tempos, grosso modo, dos dois mandatos de Bill Clinton na Casa Branca.O sucessor de Clinton, George W. Bush, viu de repente surgir uma nova e inesperada ameaça, o terrorismo islâmico, e durante os anos a seguir ao ataque às Torres Gémeas de 11 de setembro de 2001 derrotar a Al-Qaeda passou a ser uma prioridade geopolítica. Foi uma época em que os americanos, procurando o apoio de russos e chineses contra Ossama bin Laden, talvez tenham dado menos atenção do que deviam ao fortalecimento da Rússia já sob a liderança de Vladimir Putin e especialmente à ascensão da China, que em 2010, dois anos antes de Xi Jinping se tornar secretário-geral e presidente, passava a ser a segunda maior economia mundial. Crescimentos do PIB na ordem dos 10% anuais durante três décadas tinham acabado de criar uma nova superpotência (ou propiciar o regresso de uma, se olharmos para a China de Qianlong no século XVIII). Ao novo poderio económico, somar-se-ia bem depressa um notável poderio militar, embora as despesas chinesas com a Defesa estejam ainda bem abaixo do que os Estados Unidos investem nas suas Forças Armadas.Barack Obama, Donald Trump, Joe Biden, de novo Donald Trump, desde janeiro. Para os sucessivos presidentes americanos, a China impôs-se, pois, como o grande rival, mesmo que com Biden a Rússia se tenha tornado uma enorme preocupação depois da invasão da Ucrânia. Ainda à espera de resultados sobre as suas iniciativas para convencer Putin a fazer a paz, e com pouca paciência para Moscovo, Trump sabe que tem de lidar preferencialmente com a China, e com a competição que esta faz à influência global americana, até comprando petróleo e gás aos russos. A vontade de conter a ascensão chinesa enquanto a América é ainda o lado mais forte, na economia como na defesa, é das poucas causas que unem republicanos e democratas hoje em dia. Duas frentes vão dar-nos nos próximos tempos pistas sobre se os Estados Unidos são mesmo capazes de contrariar as ambições chinesas: as negociações sobre tarifas, em que o prolongamento das tréguas permite certas leituras, e a atitude de Washington com Taiwan, sendo que a recusa americana agora conhecida (mas não comentada oficialmente) de autorizar uma escala em Nova Iorque do presidente Lai Ching-te a caminho de uma visita a países aliados diplomáticos na América Central e do Sul também já gerou preocupação nos círculos de Washington defensores de Taipé. Pode (ou não) ser só para evitar complicações na ronda com a China por causa das tarifas.Um encontro de Trump (que passou os últimos dias a jogar golfe na Escócia com tempo ainda para fazer um acordo de tarifas com a UE) com Xi até ao final do ano é uma possibilidade que tem sido levantada. Uma diferença da anterior competição entre superpotências, é que a China, ao contrário da União Soviética, está fortemente envolvida na economia global e, portanto, é tanto do seu interesse como do dos Estados Unidos evitar crises no relacionamento. Mas sem dúvida que os chineses querem ser o número um mundial (o tal lugar que era o seu há 250 anos, quando os Estados Unidos estavam a nascer) e os americanos não querem deixar de sê-lo. É uma competição que não deixará de afetar o resto do mundo e que não se resolve com uma tacada.Diretor adjunto do Diário de Notícias