Sobrecapacidade de EV chineses e sua penetração na Europa

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Responsáveis dos EUA vêm insistindo na necessidade de a China conter a “sobrecapacidade industrial” de produtos fotovoltaicos, baterias elétricas e veículos elétricos (EV), cuja exportação terá atingido 127 mil milhões de euros em 2023 (+30% que em 2022).

Em recente entrevista ao The Economist, Macron afirma que “hoje, a China tem uma sobrecapacidade de veículos e exporta-os em grande escala, particularmente para a Europa”. Vejamos se é mesmo assim, focando-nos na vertente da “exportação [para a Europa] em grande escala”.

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), em 2024, a quota de mercado dos EV poderá chegar aos 45% na China, 25% na Europa e >11% nos EUA. A vasta maioria das vendas de EV em 2023 foi na China (60%), Europa (25%) e EUA (10%). Em termos comparativos, estes três grandes mercados representam 65% das vendas totais de automóveis a nível mundial.

De acordo com a KPMG, os BEV fabricados na China representaram apenas 10% dos 1,1 milhões de BEV vendidos na Europa em 2022.

Segundo a Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA), a China manteve a sua posição de principal fonte de novas importações de automóveis da UE em termos de valor, com um crescimento de 37,1% e uma quota de mercado de 17,7%. Parte significativa deste crescimento deve-se aos EV. De acordo com a Federação Europeia dos Transportes e do Ambiente (T&E), os EV fabricados na China deverão representar 25% das vendas totais de EV na Europa em 2024 (+5% que em 2023).

As projeções da T&E estimam que [dentre os EV fabricados na China] as marcas chinesas conquistem progressivamente maiores quotas de mercado - 11% até 2024 e 20% até 2027. Mas convém esclarecer o que são “as marcas chinesas”. Em 2023, as marcas chinesas apenas representavam uma quota de mercado de 2,5% do mercado europeu no ano passado, pertencendo 72% dessa quota à MG, uma marca de automóveis britânica controlada pelo grupo chinês SAIC Motor, que é hoje uma marca totalmente chinesa da produção ao design. Sem a MG, as marcas chinesas têm apenas 0,6% de quota de mercado na Europa. Esta discrepância decorre do facto de a maioria dos veículos importados da China para a Europa não serem veículos chineses, mas sim veículos fabricados na China por marcas estrangeiras. Só a Tesla é responsável por 68% dos EV importados da China e registados na Europa Ocidental.

É possível que haja sobreprodução de EV chineses. Embora seja duvidoso que seja essa a razão principal do recente aumento significativo dos EV importados da China, havendo notícias de >100 000 EV chineses atualmente parqueados em portos europeus. As principais razões são: (i) o receio de imposição de tarifas ou obstáculos não-tarifários pela UE; (ii) o muito difícil acesso ao mercado dos EUA; e (iii) as maiores margens nas vendas na Europa.

A narrativa dos responsáveis políticos europeus de combate à “sobrecapacidade” chinesa ecoa as preocupações dos fabricantes europeus. A verdade é que nem os fabricantes europeus planearam bem a transição, nem os políticos europeus definiram atempadamente políticas públicas para o setor e a cadeia de valor dos EV, nem a opinião pública europeia consegue libertar-se das entropias do ambientalismo radical. Já vai sendo tempo de os responsáveis políticos e empresariais europeus pararem de procurar desculpas para o que deviam ter feito e não fizeram.

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