A palavra omnibus, de origem latina, significa “para todos”. No campo legislativo, passou a designar pacotes normativos que reúnem num único texto e reveem diplomas sobre matérias afins. A metáfora do transporte público — o autocarro pensado para todos — ilustra bem a ambição de iniciativas que pretendem tornar a legislação mais acessível e eficaz. Apresentado pela Comissão Europeia na sequência das recomendações dos relatórios Draghi e Letta, o “Omnibus para a simplificação” tinha como intenção responder à grande complexidade regulatória da União Europeia. Poderia ter sido uma iniciativa de alcance maior, se a Comissão tivesse, em simultâneo, mostrado vontade de enfrentar a raiz do problema: a forma como a legislação europeia é desenhada, produzida e aplicada. Esse foi o primeiro obstáculo. O processo legislativo europeu é, por natureza, gerador de complexidade. A Comissão redige propostas, mas cabe ao Parlamento e ao Conselho aprová-las. No percurso, sobretudo no Parlamento, as propostas sofrem inúmeras alterações, nem sempre justificadas, tornando os textos densos e difíceis de interpretar. Além disso, a União legisla, mas a execução recai sobre os Estados-membros, cujas administrações nem sempre dispõem dos meios necessários para aplicar bem as normas. Estudos de impacto e consultas públicas existem a montante, mas frequentemente são redundantes ou pouco participadas. Sem uma simplificação ousada deste processo, dificilmente se conseguirão mais do que remendos. O segundo problema foi o alvo escolhido. Apresentado como simplificação regulatória para empresas, o “Pacote Omnibus” mexe sobretudo em normas sobre os deveres de diligência das empresas quanto ao respeito dos direitos humanos e do ambiente nas cadeias de produção. Críticos alertaram que, sob o pretexto de simplificação, o objetivo era enfraquecer regras ambientais e sociais, reduzindo o universo das empresas abrangidas e as suas obrigações de reporting. Se a intenção fosse mesmo simplificar e não desregular, teria sido mais adequado começar por uma área menos controversa, como a contratação pública, que carece de simplificação profunda. A aprovação recente do Pacote no Parlamento Europeu por uma coligação entre centro-direita e partidos da direita radical, em vez dos habituais entendimentos ao centro e à esquerda, levantou ainda dúvidas sobre o equilíbrio até agora conseguido entre competitividade e sustentabilidade na União Europeia, em prejuízo da segunda. Em suma, um verdadeiro Omnibus para a simplificação não pode ignorar a necessidade de simplificação da linguagem e do desenho do processo legislativo e administrativo europeu, nem deve ser um mero sinónimo de desregulação. Caso contrário, corre o risco de ser apenas um “autocarro para todos” que, paradoxalmente, não leva a lugar nenhum, senão ao enfraquecimento das garantias sociais e ambientais. Ex-deputada ao Parlamento Europeu