Chamavam-lhe o “Pelé palestiniano”. Num território onde o relvado é pó e as balizas são pedras, Suleiman al-Obeid jogava contra a guerra. Cada drible era uma finta ao medo, cada golo uma negação do destino. Com a bola nos pés, construía futuros. Não só o seu, mas o de milhares de crianças que viam nele a prova de que a vitória era possível.Na quarta-feira, o jogo terminou antes do apito. Não houve intervalo, não houve prolongamento. Apenas um disparo. Segundo a Associação Palestiniana de Futebol, Suleiman foi morto “na sequência de disparos da ocupação israelita que visavam pessoas que aguardavam ajuda humanitária no sul da Faixa de Gaza”. Tinha 41 anos, 24 jogos pela seleção, mais de 100 golos e cinco filhos. Cinco futuros agora órfãos do seu capitão.A UEFA despediu-se com uma publicação numa rede social, lembrando o talento que deu esperança “mesmo nos períodos mais sombrios”. Mas não são as palavras que faltam: é a justiça. Em Gaza, o talento joga sempre em campo inclinado. Por muito que seja o esforço, o jogo pode acabar no instante de uma bala. Não há árbitro que proteja, não há VAR que reveja a injustiça, não há prolongamento que devolva uma vida.Suleiman não era apenas um atleta de exceção. Era um capitão invisível de uma equipa feita de jovens que treinam em campos improvisados, entre escombros e linhas de fronteira. Para eles, ver este símbolo em campo, com a camisola da seleção, era ver um pedaço de futuro real. Era acreditar que o talento e o trabalho podiam abrir caminho para fora do cerco, para longe da guerra, para um estádio com luzes e aplausos.Agora, o que resta é o silêncio. Um silêncio que não vem do fim do jogo, mas da consciência de que a guerra é um campeonato sem regras, onde a bola é substituída por munições e a tabela classificativa se escreve com listas de mortos. Neste campeonato, não há vencedores. Cada morte é um golo contra na baliza de todos nós.A morte de Suleiman é mais do que a perda de um homem. É o corte de um fio frágil que ligava Gaza ao sonho. É um aviso brutal: ali, por muito que se seja reconhecido, por muito que se dê à comunidade, a glória e a tragédia podem estar separadas por um segundo.E enquanto se joga este jogo sujo, sem árbitro, sem fair play, a única coisa que cresce é a revolta. Cresce o ódio, herança envenenada para as gerações futuras, tanto palestinianas como israelitas. E cresce o remorso silencioso da comunidade internacional, que assiste das bancadas, proclama valores universais e raramente desce ao campo para os defender.O último golo de Suleiman não entrou numa baliza. Entrou no coração de quem acreditava que o talento podia fintar a violência. A guerra fez falta por trás, sem cartão vermelho, e roubou-nos o jogo. Agora, resta um estádio vazio e uma certeza que ecoa nas bancadas silenciosas: enquanto houver quem mate sonhos, todos jogaremos num campo encharcado de vergonha. Professor catedrático