“Se os tirarmos daqui, filmam e dizem que os tratamos mal”
Com os protestos dos bombeiros e o espetáculo de, chamemos-lhe assim, liberdade democrática travestido de circo que o Chega promoveu na Assembleia da República, o setor da Saúde conseguiu ter algum descanso quando comparado com semanas e meses anteriores.
Por coincidência, acabou por ser nessa semana que fui obrigado a manter uma relação muito próxima com os Serviços de Urgência de um hospital público, onde entrei pelas 22.00 horas tendo saído depois das 16.00 do dia seguinte.
Mas para que fique claro, e sem análises dúbias, fique-se a saber que durante todo este tempo foram feitas inúmeras análises, repetidas as que deixavam dúvidas, sempre com um atendimento irrepreensível por parte dos profissionais - e assisti a mudanças de turno.
Assim, o que me leva a referir este episódio não é o mau atendimento, nem a falta de condições para os doentes e acompanhantes - que as há.
Gostaria de chamar a atenção era para um outro problema que não está diretamente relacionado com o hospital - e que provavelmente se repete em outras unidades pelo país -, mas que tem de ser este a “resolver”: a falta de apoio aos sem-abrigo. A sala de espera, ou melhor, o contentor que serve de sala de espera, esteve toda a noite ocupado, em cerca de 30%, por “residentes habituais” que não estão ali para ser atendidos, mas sim para terem um local onde pernoitar (têm mantas que estendem nos bancos), onde tomarem o pequeno-almoço (o hospital ao início da manhã serve sandes de queijo ou fiambre, chá ou leite com chocolate) e onde se lavarem quando acordam.
Por isso, muitos dos acompanhantes dos doentes, e quem tem pulseira sem grande prioridade, acabam por esperar na rua pela chamada por falta de lugar para todos nesse contentor.
Na realidade não tratam mal ninguém, só estão ali porque não têm, provavelmente, uma instituição que os ajude. Não sei. Mas sei, que quando se pergunta a quem tem a responsabilidade de manter a calma no local por que não se lhes pede para irem procurar um outro local/instituição, a resposta deixa-nos a pensar: “Se lhes pedirmos para saírem, alguém vai filmar e depois vai por nas redes sociais e dizer que os tratamos mal...”
Não era melhor, não só à administração do hospital, como até a instituições de apoio aos sem-abrigo, tentarem arranjar uma solução para estas pessoas? A dignidade deles merecia isso.
Editor-executivo do Diário de Notícias