Rumo ao Futuro: a União Europeia e decisões estratégicas em véspera de eleições
“É nos momentos de decisão
que se molda o destino.”
Tony Robbins
Desde a sua fundação, em 1957, a União Europeia (UE) passou de 6 membros fundadores (Benelux, Alemanha, França e Itália) para um robusto bloco de 27 nações. Celebrada narrativa de sucesso, cada etapa do seu alargamento revelou, todavia, tensões e desafios, que foram sendo superados, com tenacidade, em nome do cumprimento do projecto europeu; do sonho de uma Europa unida.
Alcançado o quinto alargamento, feito histórico que permitiu a reunificação de um continente que a Guerra Fria havia dividido durante meio século, tornaram-se patentes várias fragilidades na estrutura institucional da UE. A euforia deu então lugar à interrogação; a visão optimista de outrora foi substituída por uma abordagem mais cautelosa, interrompida apenas pela dramática reviravolta geopolítica desencadeada pela guerra na Ucrânia.
A chama do alargamento voltou por conseguinte a manifestar-se, tendo 3 nações (Ucrânia, Moldávia e Bósnia-Herzegovina) emergido como candidatas à adesão. Actualmente são 10 os países que batem à porta da UE, ansiando por ser incluídos num bloco que se estende para além dos Balcãs Ocidentais até às fronteiras antes desenhadas pela Cortina de Ferro.
Afirmar, contudo, que a integração desses 10 aspirantes será concretizada até 2030, como fez Charles Michel, presidente do Conselho Europeu (Euronews) é desconsiderar os obstáculos económicos, territoriais e diplomáticos que requerem resolução prévia.
Além disso, é imperativo (uma vez que o poder de persuasão da UE tende a diminuir drasticamente quando a adesão passa de mera probabilidade a “fait accompli”) que qualquer alargamento seja precedido por (i) uma reforma incisiva dos mecanismos de decisão da UE (eliminando, por exemplo, o direito de veto no seio do Conselho Europeu) e (ii) pelo estabelecimento de ferramentas eficazes para garantir a subsistência do Estado de Direito nos Estados-membros (comprovado que está que a mera imposição de sanções económicas não altera a marcha de governos com propensão autocrática). O comportamento de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, ilustra inegavelmente os dois pontos.
No que toca à primeira questão, a aprovação de crucial ajuda da UE à Ucrânia foi marcada pela manipulação estratégica do poder de veto, que foi utilizado por Orbán como ferramenta de chantagem política. Indiferente aos princípios de solidariedade que norteiam a União, eclipsados por jogos de poder e interesses nacionais, o líder húngaro ameaçou bloquear a assistência em causa. Note-se que não se tratou apenas de uma ameaça ao amparo à Ucrânia, mas também de um desafio directo à capacidade de funcionamento da UE - exigindo uma reflexão profunda sobre a necessidade de reformar o processo decisório da UE e, assim, evitar que futuros impasses comprometam a acção colectiva em momentos críticos.
Quanto à segunda questão, a democracia na Hungria exibe sinais de declínio progressivo. Com efeito, o Governo de Viktor Orbán tem implementado políticas que têm gradualmente corroído pilares democráticos fundamentais, designadamente através da concentração de poder no Executivo, do enfraquecimento da independência do poder judicial, da erosão da liberdade de imprensa e da manipulação do Sistema Eleitoral como táctica recorrente contra a oposição (Euronews).
Não obstante estas dificuldades, a invasão russa levou a um empenho redobrado da União em várias frentes, especialmente no que toca à Defesa e à transição climática. Até que ponto a resposta à crise ucraniana tem redefinido o estatuto da UE na ordem internacional é, no entanto, uma questão em aberto.
Embora tenha traços de potência geopolítica resiliente, a UE não conseguiu, até hoje, abordar com coesão o flagelo que continua a assolar Gaza. Tendo a Comissão Europeia e o Parlamento reiterado o seu apoio a uma solução assente em 2 Estados, a voz e a acção do bloco encontram-se limitadas pela necessidade de unanimidade no âmbito do Conselho Europeu. Cabe, por ora, à presidência belga buscar esse consenso, o qual poderá definir o futuro da política externa e da coesão interna da União (“UE External Action”, EP Press Release, 14/3/2024, Politico).
A forma como a UE navegar as crises geopolíticas, a integração de novos membros e os desafios internos poderá redefinir profundamente a sua identidade e a sua trajectória.
Se a UE optar por uma política de alargamento vigorosa, fortalecendo os seus mecanismos de decisão (nomeadamente através da eliminação do direito de veto no Conselho Europeu) e acolhendo os Estados candidatos, podemos assistir ao nascimento de uma entidade supranacional coesa e poderosa, dotada de uma voz mais assertiva no cenário global, comparável a grandes potências como os EUA e a China (Politico).
Outro caminho pode passar pela consolidação da integração interna e pelo reforço da competência da União, em áreas como a transição energética e a digitalização, fortalecendo consequentemente o seu papel económico a nível externo (Bruegel, Centre for Strategic and International Studies).
Um panorama mais sombrio pode emergir na ausência de reformas decisivas e na presença de pressões internas e externas contínuas. Nesta sequência, desentendimentos relativos a políticas de alargamento, fiscais, de migração, climáticas e/ou de Defesa podem acentuar divisões entre os Estados Membros, fragmentação essa que pode diminuir o peso da União no plano internacional (FMI, SpringerOpen).
Por último, uma conjuntura marcada por crises económicas, políticas e/ou climáticas - por exemplo, uma recessão económica devastadora, crises políticas acentuadas resultantes da permanência de Governos autoritários na União e/ou catástrofes climáticas extremas - pode levar a uma transformação radical da UE através da configuração de soluções extremas, soluções essas que tanto podem espoletar a passagem a federação como uma lamentável desintegração (Centre for European Reform, Starseite).
Em suma, o futuro da UE depende de opções estratégicas que moldarão a sua identidade e o seu papel no palco mundial, evidenciando a importância da participação activa e informada dos cidadãos no processo democrático que determinará o destino da União.
Nota: A autora não escreve de acordo com o novo Acordo Ortográfico.