Roteiro para derrotar Trump em novembro
Pode Donald Trump perder a terceira nomeação presidencial republicana seguida? Claro que não. Mas pode perder a eleição geral? Claro que sim.
Foram essas as conclusões, aparentemente contraditórias, que as primárias republicanas no New Hampshire nos mostraram.
Donald Trump teve um triunfo amargo no granite state.
Voltou a ganhar e assegurou o pleno de vitórias nos estados de arranque.
Isso, geralmente, dá para assegurar uma nomeação presidencial. Mas no discurso que fez nem conseguiu disfarçar: estava acossado com os surpreendentes 43 por cento de Nikki, isso estragou-lhe a estratégia de exigir que ela desistisse já. Sentiu-se na necessidade de repetir várias vezes: “Ela tinha de ganhar, tinha de ganhar, teve um resultado péssimo, péssimo…”
Trump ficou tão incomodado com o desempenho da sua rival no New Hampshire que até precisou de mentir descaradamente (algo que, como sabemos, faz com frequência sem qualquer peso na consciência), ao atirar: “Nikki não ganha a Biden nas sondagens.” Ora, as sondagens dizem que Haley teria mais hipóteses do que Donald de bater Biden a 5 de novembro.
É quase inevitável que Trump seja o nomeado e isso pode ficar mais claro nas próximas corridas. Se Nikki Haley não conseguiu ganhar no New Hampshire, estado que tem uma demografia que a favorece quase em tudo, possivelmente não ganhará em lado nenhum. Trump tem a preferência republicana de 76 por cento dos eleitores sem licenciatura, mas apenas de 39 por cento de quem tem estudos superiores. Ora, o New Hampshire é um dos estados dos EUA com maior percentagem de habitantes licenciados (41% das pessoas com 25 anos têm estudos superiores).
Donald sabia que tinha no New Hampshire o grande teste sobre a sua capacidade junto dos moderados. E esse teste falhou rotundamente.
A receita para derrotar Donald está encontrada
Joe Biden foi o grande vencedor das primárias republicanas do New Hampshire: ficou muito mais claro o caminho para derrotar Donald Trump a 5 de novembro.
As fragilidades de Trump nos eleitores moderados são evidentes. Nos 29 por cento de eleitores moderados do New Hampshire, Nikki teve o triplo dos votos de Trump. Quarenta e quatro por cento dos eleitores do New Hampshire consideram que se Trump for condenado por algum crime não tem condições de ser presidente; entre este universo de eleitores, Nikki recolheu 84 por cento dos votos.
Quarenta e três por cento de quem votou Nikki no New Hampshire diz que prefere Biden a Trump para presidente. Sessenta e sete por cento de quem se opõe a um national abortion ban votou Nikki.
Ora, isto prova que Donald Trump está longe de ser um candidato imbatível na eleição geral. E, por isso, o grande vencedor das primárias republicanas no New Hampshire é um democrata: Joe Biden (que até foi o mais votado na primária democrata no New Hampshire, apesar de não constar nos boletins de voto).
Ficaram bem mais claros os argumentos para derrotar Trump na eleição geral: apostar nos moderados e nos independentes (só 38% deles preferiram Trump a Nikki no New Hampshire) - e depois mobilizá-los. Convencê-los por via de melhores propostas com temas em que a maioria dos americanos não se revê na agenda trumpista (alterações climáticas, direitos reprodutivos, direito ao aborto, defesa das minorias).
Acima de tudo isso, a questão da defesa da democracia pode voltar a ser eleitoralmente relevante. Foi assim na vitória presidencial de Biden em novembro de 2020, foi assim nas intercalares de 2022. Os 43% de Nikki Haley no New Hampshire mostram que pode voltar a ser assim na eleição geral de novembro de 2024.
Está oficialmente aberto o campo para quem está disposto a fazer tudo para evitar que Donald Trump volte à Casa Branca.
DeSantis deu ajuda decisiva a Trump
A desistência precoce de Ron DeSantis deu um forte empurrão ao triunfo de Trump no New Hampshire. Com o governador da Florida a tentar até ao fim o New Hampshire, a vitória de Trump teria sido ainda mais curta.
Mesmo com o endosso de DeSantis, Ramaswamy e Tim Scott, e mesmo com Haley a seguir sozinha na frente anti-Trump (Christie, depois de ter desistido, jurou que o seu objetivo é fazer tudo para evitar que Trump volte à Casa Branca, mas não se dignou a apoiar Nikki), a diferença de Trump para Haley reduziu de 32 pontos percentuais (Iowa) para apenas 12 (New Hampshire).
Nikki perde, mas sorri
Haley teve um segundo lugar com sabor a vitória. Porque mais do que duplicou a percentagem obtida no Iowa. Porque mostrou que há um caminho sólido para uma alternativa a Trump no Partido Republicano (minoritário, mas muito numeroso). Porque garantiu a viabilidade da sua candidatura por mais algum tempo, evitando uma entronização precoce de Donald. Porque conseguiu passar a sua mensagem de que seria um erro insistir em Trump, um candidato “que perdeu quase todas as eleições nacionais competitivas em que participou” e que “já tem 78 anos”.
Nikki segue para a Carolina do Sul, estado que governou com forte popularidade durante seis anos, tem para já quatro milhões de dólares para gastar em anúncios televisivos nesse estado e já começou os comícios num estado em que venceu a corrida para governadora com 56% dos votos em 2014 e 51,5% em 2010.
A Carolina do Sul pode decidir
Se o New Hampshire mostrou que Nikki Haley pode tornar o caminho para Trump mais complicado do que Donald esperaria, a Carolina do Sul pode retomar o favoritismo trumpista para a nomeação.
Trump falhou o teste dos moderados no New Hampshire - falta saber se Nikki vai conseguir passar no teste dos conservadores da Carolina do Sul. Para já, as sondagens dão Trump 20 pontos à frente de Haley nesse estado. Nikki tem um mês para dar a volta à situação num estado que conhece bem. Terá condições financeiras para chegar com força até lá? Tudo passará pelas decisões de doares e financiadores, que até agora acreditaram na mensagem de Nikki - e alguns deles até passaram de DeSantis para Haley, ignorando a indicação política do governador da Florida, que apoia Donald Trump.
A tarefa de Nikki na Carolina do Sul não será fácil. Análise do FiveThirtyEight aponta para que, com as mesmas tendências de voto por segmento, a estrutura demográfica muito mais conservadora e muito menos sofisticada em comparação com o New Hampshire antecipa um triunfo de Trump por mais de 40 pontos - algo como 62% para apenas 21% de Haley.
Isso colocaria a campanha de Nikki em sérios riscos de conseguir chegar à Super Terça-Feira (5 de março, 16 estados e 874 delegados em jogo), com o Michigan - estado onde Nikki poderá sair-se melhor do que na Carolina do Sul - pelo meio (2 março). Torna-se, por isso, fundamental para Haley aproveitar as próximas três ou quatro semanas para consolidar a sua posição num estado que conhece tão bem.
Especialista em Política Internacional