Chefe do governo ou Presidente? Porquê concorrer a um dos lugares se se quer o outro? Tantas vezes os entrevistadores colocaram a questão que, há dias, a resposta do candidato presidencial incluiu uma ideia - um Presidente “que conduz” - que é convite quase irresistível a uma visita breve aos anos finais da constituição de Weimar, a que vigorava quando do acesso do Führer ao poder na Alemanha.Essa constituição previa um Presidente eleito directamente pelos alemães e os seus poderes incluíam a dissolução do Parlamento. Nesses anos finais houve um sobreuso desse poder - com três dissoluções em dois anos - e é consensual que isso muito favoreceu o avanço e o acesso do partido nacional socialista ao poder. Embora a última dessas eleições tivesse proporcionado ao Führer do partido a maioria necessária para governar, isso estava longe de lhe bastar : pretendia mudar o sistema, concentrando poderes. Para essa alteração do panorama constitucional era necessário o apoio de 2/3 dos deputados - e foi assim que surgiu, a breve trecho, a lei habilitante de 1933.Como aconteceu? O essencial foi a obtenção do apoio do partido do centro, para além dos demais partidos de direita. Os comunistas tinham sido já excluídos do Parlamento. Só os deputados do SPD que puderam comparecer votaram contra: Otto Wells foi o único líder partidário a usar da palavra contra a decisão. Toda a espécie de medidas (incluindo a promessa de celebração de uma Concordata) tinham sido tomadas para que o requisito dos 2/3 pudesse ser alcançado - e ele foi dado por atingido.Mas não chegava: sobrava ainda a Presidência. Logo no ano seguinte, no dia a seguir à morte do titular, foi convocado um referendo para obter a concentração dos poderes dos dois cargos num só. São hoje conhecidas instruções de Hitler revelando toda a importância que dava a que isso se fizesse no mais curto prazo “por voto livre e secreto”. Perto de 40 milhões de eleitores - e, oficialmente, por cerca de 90% - alteraram o que restava da Constituição e consagraram o condutor do partido como condutor do Estado. Ele tinha pedido, aliás, que não fosse tratado desse modo nas duas semanas que mediaram entre a vacatura da Presidência e o referendo: queria, primeiro, o voto popular. O resto é bem mais conhecido - a lei de 1933 vigoraria até à vitória dos Aliados.Perguntado hoje sobre se daria posse a um governo do PS se fossem nesse sentido os resultados eleitorais, o candidato presidencial - que pretende conduzir um povo que “tem mesmo um gene especial” e se propõe “habilitar” a polícia com poderes letais - respondeu que respeitaria o voto popular mas que faria tudo o que fosse possível para que isso não acontecesse. Eis, pois, um “Presidente que conduz”. Acredito que os eleitores não darão ao candidato a hipótese de concentrar a condução do partido nacional populista e qualquer uma de um outro nível - e nos nossos dias são dificilmente imagináveis eventos que decalquem os dos anos 30. Mas mesmo em tempos diferentes lições que foram tão duramente aprendidas não podem ser desperdiçadas. O pior modo de lidar com os últimos anos da experiência de Weimar será esquecê-los.Jurista, antigo ministro.Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico