Os enxames de drones que ultimamente têm sobrevoado instalações militares e aeroportos de certos Estados da Europa Ocidental são atos hostis levados a cabo por forças inimigas. Devem ser vistos em paralelo com as ações de pirataria informática contra infraestruturas económicas de grande relevância e em complementaridade com as tentativas de interferência na vida política e nas campanhas eleitorais das democracias europeias. A dimensão e a complexidade destes ataques não deixam dúvidas quanto aos seus autores. Só podem ser organizados por serviços secretos especiais, a mando de uma liderança que pretende enfraquecer, criar o caos e esfrangalhar as nossas alianças de defesa e os nossos sistemas de valores. São uma ameaça à estabilidade de todos nós e uma causa de enorme inquietação, especialmente para as populações do Leste e do Norte da Europa. Têm igualmente o objetivo de desviar as atenções e de fazer gastar recursos que poderiam ser destinados ao apoio à legítima defesa da Ucrânia. Estas provocações e intervenções agressivas não trazem nem rótulo nem etiqueta que diga “made in Russia”. Mas os países visados e os seus aliados têm todas as razões para indiciar os dirigentes do Kremlin. É essa a atitude política que deve ser assumida. Qualquer análise dos factos leva inevitavelmente à presunção inevitável de que Moscovo está a lançar uma agressão disfarçada, manhosa e híbrida contra a Europa democrática. Estamos perante uma série de investidas bélicas subtis que podem levar, se não tiverem a resposta adequada, a uma escalada. Não se trata de meros testes para avaliar a nossa firmeza. Já estamos numa outra fase. A primeira fase de resposta deverá passar pela imposição de medidas diplomáticas ainda mais restritivas contra a Rússia de Putin. Essas medidas devem incluir a não acreditação de pessoal diplomático russo para além de um número mínimo de funcionários, a limitação do seu raio de ação às áreas metropolitanas das capitais europeias, excluindo qualquer autorização de circulação fora das capitais, e uma vigilância apertada das atividades exercidas por esses agentes diplomáticos ou pretensamente diplomáticos. Os embaixadores russos devem passar a ter um rebaixamento protocolar nos seus contactos com os Ministérios dos Negócios Estrangeiros nos nossos países. O diálogo político com os representantes do Kremlin de pouco ou nada serve, salvo para Putin. Estas restrições seriam complementares às sanções impostas pela União Europeia, que necessitam aliás de ser agravadas. Por outro lado, a Aliança Atlântica tem de aprofundar a sua capacidade de luta contra essas e outras ameaças e provocações. Aqui existem três preocupações fundamentais: intensificar as patrulhas e os meios de defesa aérea e marítima no flanco leste e na região do Mar Báltico; aumentar a capacidade tecnológica de identificação, empastelamento e desorientação eletrónica das naves inimigas, incluindo uma expansão significativa dos instrumentos emissores de feixes de radiação, os “lasers”; e destruir os invasores com meios adequados e com custos reduzidos. A produção desses meios deve ser feita em larga escala, em cooperação entre os Estados-membros e aproveitando os conhecimentos dramaticamente desenvolvidos pela Ucrânia. Há muito que aprender com os ucranianos, antes mesmo de ser necessário gastar fortunas em mísseis. A utilização de mísseis justifica-se, todavia, quando se trata de violações do espaço aéreo da NATO por caças russos armados. É uma questão muito sensível, sem dúvida. Mas o sobrevoo durante 12 minutos do espaço aéreo da Estónia, como aconteceu a 19 de setembro com três MiG-31, requer uma reação enérgica. Desta vez, foi a força aérea italiana que escoltou os intrusos para fora do espaço da Aliança Atlântica. Mas vai ser preciso fazer mais: avisar Moscovo, pelos meios apropriados e com toda a formalidade, que novas violações desse tipo serão tratadas como atos ofensivos e que, por isso, as naves estranhas à Aliança, se forem consideradas uma ameaça real, serão abatidas. Mark Rutte, o Secretário-geral da NATO, optou por uma declaração mais genérica e ambígua. Talvez tenha tido razão, mas a ambiguidade, no caso de Putin, é por ele entendida como uma atitude de fraqueza. É possível que se continue a assistir a uma intensificação dos ataques sem rótulo nem assinatura contra nós. As ditaduras são uma forma de loucura e os ditadores consideram-se génios invencíveis. Não convém terminar sem acrescentar ser um engano pensar que Portugal está fora da órbita de ação de Moscovo. O Kremlin quer que pensemos assim e conhece as nossas fragilidades: a existência de vulnerabilidades perante as operações inimigas de espionagem; a falta de recursos para proteger a área marítima que nos pertence e que pode servir para a circulação de submarinos de ataque e sabotagem russos; e a predominância de uma classe política e intelectual que não entende ou não quer levar a sério os perigos que a Europa democrática tem pela frente. Putin esquece-se, porém, que Portugal conta com a cooperação dos seus aliados, no quadro da NATO. Conselheiro em segurança internacional.Ex-secretário-geral-adjunto da ONU